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Maternidade conquistada

Tão bom quanto gerar um filho, a adoção é um ato de generosidade e carinho para a realização da maternidade

Por Ciça Vallerio
Atualização:

Nem mesmo mulheres com filhos biológicos escapam do contagiante desejo materno. A terapeuta Heloísa Capelas, de 51 anos, já era mãe de duas moças e um garotão quando resolveu adotar uma criança. A decisão foi motivada por vários fatores: ela já estava numa idade avançada para engravidar, o marido teria de reverter a vasectomia e ambos queriam colocar em prática seus "princípios filosóficos". "Acreditamos que a única contribuição que podemos dar ao mundo é ter filhos e criá-los para que se tornem seres amorosos e éticos e, dessa forma, possam ajudar a melhorar o futuro da humanidade", justifica Heloísa. "Filho para nós não é despesa, muito menos trabalho, é ter o prazer de educá-los e prepará-los para o mundo." E se era para contribuir, por que não pegar um menino que tivesse dificuldade de ser adotado, por exemplo, por causa da cor e do sexo? Segundo estatísticas, conforme lembra a terapeuta, menino negro é o que mais sobra nas creches. Então, Heloísa seguiu por esse caminho. Só que, em vez de garoto, apareceu a fofa Eduarda, a Duda, que hoje tem quase 3 anos e encanta os irmãos: Beatriz, de 25 (que é deficiente mental), Estela, de 23, e Rodolpho, de 14. Essa menininha tinha sido rejeitada duas vezes por um motivo comum entre aqueles que desejam adotar: era negra. Apesar de ter desejado a adoção de um menino, quando soube da história, Heloísa não resistiu e assumiu a maternidade de Duda. A alegria de ambas está estampada nas fotos. "Minha mãe diz que, depois de uma certa idade, se é velha demais para ter uma criança, porque falta energia", fala. "Mas, para mim, funciona ao contrário: vou tendo filho para manter o pique! Tanto é que todo mundo fala que remocei." GARRA MATERNA Para tornar-se mãe, a pediatra Maria Fernanda C. Camargo, de 40 anos, foi bem prática. Devido aos anos de dedicação profissional, a ponto de ter se tornado umas das poucas e respeitadas especialistas em hemodiálise infantil do Brasil, a médica colocou em segundo plano sua vida amorosa. A idade foi chegando, e nada de casório à vista, apenas namoros fugazes. "Sempre quis ter filhos, mas o tempo passou e, quando me dei conta, tudo ficou complicado." A complicação surgiu quando ela soube de um problema no útero, há 8 anos, que acabou se agravando. Foi durante os tratamentos que Maria Fernanda começou a pensar seriamente em adoção, uma escolha cada vez mais freqüente entre mulheres solteiras. Hoje a médica está realizada com sua filha Carolina, de 1 ano e meio. No entanto, a garotinha é sua segunda adoção e mostra como a garra feminina se sobrepõe a inúmeras dificuldades quando se deseja ter filhos. Antes de Carolina, ela havia adotado a recém-nascida Helena. Poucos dias depois de tê-la em seus braços, percebeu algo de errado. Uma bateria de exames revelou que a bebê tinha sérios problemas de má-formação cardíaca. Na luta para salvá-la, Maria Fernanda acompanhou quatro cirurgias e não desgrudou dela durante sua internação na UTI. Em um mês, a pequena faleceu. "Foi um sofrimento enorme porque, apesar ter ficado pouco tempo com ela, a Helena já era a minha filha", lembra. QUATRO VEZES O Dia das Mães da professora de Matemática Maria Alice Camargo será comemorado em dobro. Ela acaba de conseguir a guarda definitiva de sua filha Jéssica, de 16 anos, que foi adotada quando tinha 12. Com o aval da Justiça, a garota agora carrega com orgulho sua certidão de nascimento, com os nomes dos pais atuais. Assumir a maternidade de crianças acima de 5 anos é raro, imagine de uma pré-adolescente! Mas não é nada demais para quem já tinha adotado um bebê - o Rafael, que hoje tem 21 anos e faz faculdade de Economia - e mais dois meninos. Quando Rafael tinha 6 anos, Maria Alice adotou mais dois irmãos, cuja mãe estava doente, em fase terminal, e lutava contra o tempo para encontrar uma família para os filhos. Na época, Leandro tinha quase 4 anos e Ricardo, 2 - agora estão com 18 e 17, respectivamente. Foi uma história triste, mas com final feliz: de repente, Maria Alice se viu com três crianças em casa. "O mais novo não falava, estava desnutrido, com uma infecção grave no ouvido. E o mais velho era um homenzinho que cuidava do irmão", lembra a professora, de 54 anos. Sem dúvida, a adaptação de uma criança maior, que vem com outra educação, é mais difícil do que a de um bebê. Mas, conforme Maria Alice explica, nessa fase o importante é manter a calma e dar bastante carinho. Depois de anos de aprendizado e satisfação, veio a Jéssica. "Sempre quis uma filha mulher. Ela apareceu na minha vida sem querer e não deixei escapar essa chance", fala Maria Alice, que é casada há 26 anos. Nada mal para quem não podia engravidar e desejou, numa determinada fase do casamento, se tornar mãe. RENASCIMENTO A adoção tardia é o tema do livro Velhos Demais aos Dois Anos, escrito pelas jornalistas Ellen Vieira e Josiane Rosa. Em um dos muitos casos citados, está a bela história de Iolanda, adotada pela advogada Cecília Zamberlan. Hoje ela é uma moça de 22 anos, que trabalha em um pet shop e se prepara para o vestibular em Veterinária. Uma virada e tanto para quem, juntamente com seus seis irmãos biológicos, conviveu com mãe e avó alcoólatras. De tanto sofrerem maus tratos, a Justiça destituiu a guarda materna e todos foram parar em um abrigo. Os irmãos conseguiram ser adotados, mas Iolanda não. Ela ficou para trás por causa da idade avançada. "Quando a trouxe para casa, estava com 10 anos e falava tão errado que pensei que ela pudesse ter algum tipo de atraso mental", recorda a mãe adotiva, que mora em Mairiporã. "Cheguei a levá-la para fazer avaliação na APAE (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais). O resultado deu "atraso social", decorrente da convivência com a mãe e a avó, além do fato de nunca ter freqüentado uma escola." A garota é um exemplo de superação, e a prova de como uma nova família pode transformar um passado sofrido em um futuro promissor. Em pouco tempo, ela reverteu o quadro. Hoje, se destaca nos estudos. "Adotar não é caridade, mas uma maneira de a mulher se realizar como mãe", avisa a advogada. "O útero não é garantia de nada. Não sei tudo da vida sofrida dela, nem ela lembra de tudo. Sempre digo para ela que o importante é superar o passado e seguir em frente. Não importa a origem: amor de mãe e filho brota da convivência." DUAS MÃES Para a enfermeira Luciana Chuvauski Neves, de 40 anos, não se faz o bem adotando. Pelo contrário: é a criança que entra na vida das pessoas para torná-las melhores. "É uma experiência única", confessa. "Principalmente quando se consegue realizar esse sonho." Foi exatamente o que aconteceu na vida dela e de sua companheira Patrícia Martins, de 36 anos, quando ambas adotaram o frágil e meigo Jean. Esse bebê foi recusado por 20 casais, porque havia nascido de cinco meses, tinha vários problemas de saúde e respirava por meio de um catéter de oxigênio. "Ele é um herói, pois passou por tudo isso e ainda foi capaz de abrir um sorriso para nós quando estávamos perto do seu bercinho", fala Luciana. "Foi o nosso primeiro contato e, naquele momento, soube que havia encontrado meu filho. É uma sensação muito maluca!" No caso de casais homossexuais, apenas um pode entrar com o pedido de adoção. Foi Luciana quem assumiu esse posto. Mas, no dia-a-dia, Jean tem duas mãezonas corujas. "Quando o pegamos, ele tinha 1 ano e 3 meses, pesava seis quilos e estava sem força no corpo", conta Patrícia, que trabalha como motorista de carreta. Hoje, Jean não precisa mais de oxigênio, engordou e já está começando a andar. Luciana e Patrícia vão brindar os primeiros passinhos do filhote no Dia das Mães. As duas pensam em aumentar a prole com mais uma adoção no futuro.

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