Livres, leves e soltas

Donas do próprio nariz, mulheres de diferentes idades descobrem o prazer de viajar sozinhas e não querem outra vida

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Por Agencia Estado
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Elas não dependem de maridos, namorados ou amigos para viajar. Na bagagem, levam a curiosidade, e deixam os sentidos abertos para novas experiências. Acima de tudo, valorizam a liberdade de ir e vir quando bem entendem, mudando o roteiro ao bel prazer. As mulheres que viajam sós não fazem parte das estatísticas do turismo oficial, mas já são apontadas como uma possível tendência no setor. O diretor de Relações Internacionais do Ministério do Turismo, Pedro Wendler, lembra que, segundo pesquisas, são as mulheres que tomam as principais decisões de consumo. ?Esse poder de decisão inclui as viagens e tem relação com o crescimento do turismo feminino?, fala. ?Com a internet e a possibilidade de programar a viagem por meio dela, os turistas independentes representam um mercado em expansão no século 21.? Muitas das que desbravam o mundo sozinhas costumam ter anos de experiência em viagens. A diretora de operações da franquia brasileira da Curves (academia só para mulheres), Luciana Mankel (foto da capa), de 32 anos, por exemplo, tem história. Seu pai era piloto de avião e costumava fazer longas jornadas com a família. Quando ela fez mestrado em Marketing Esportivo nos Estados Unidos, no final dos anos 90, começou a viajar sozinha. ?Como nem sempre tinha companhia, comecei a ir por conta própria para as praias da Califórnia. Desde a primeira vez, passei a conhecer muita gente e gostei da experiência, daí não parei mais?, conta. ?Quando você está só, fica mais aberta para conhecer pessoas.? Não lhe faltaram aventuras no continente americano, o qual ela percorreu bastante. Comprou um carro bem velhinho e foi para diversos parques, praias e montanhas: - Uma das primeiras vezes em que acampei sozinha foi no parque Yosemite. Na primeira noite, fez um frio absurdo, minha barraca não era apropriada. Eu nem podia sair, porque alertavam que havia ursos do lado de fora. Mas no dia seguinte mudei minha barraca de lugar, e conheci gente do mundo inteiro que me ajudou. Foi ótimo, subi a montanha com os novos amigos. De volta ao Brasil, Luciana continuou se aventurando por território nacional e vários países. Argentina, França, Itália, Chile e Fernando de Noronha estão entre os destinos mais recentes. Nas suas últimas férias, foi para o Chile. Chegou lá, alugou um carro, pegou um mapa e decidiu que queria conhecer o parque Siete Tasas. Depois de rodar por duas horas numa estradinha de terra, chegou ao local coberto por neve e descobriu que não havia nenhum hotel, apenas camping - ela não estava com barraca. Viu uma lanchonete, explicou a situação para a senhora que lá estava, e conseguiu hospedagem. ?Ela me trouxe até um cobertor de pena de ganso. Foi muito legal. Até hoje essa família chilena me manda cartas.? Novos Horizontes A consultora de sistemas Jeni Ogihara, de 41 anos, começou a fazer trilhas quando ainda era casada com um guia de ecoturismo. Dois anos após a separação, em 1995, passou um mês na Austrália estudando inglês. Corajosa, encarou até um mergulho noturno no meio dos tubarões. E depois de uma viagem de férias a Jericoacoara (Ceará) com uma amiga, percebeu que preferia seguir seus roteiros sozinha. ?Fiquei me sentindo presa, não conseguia ficar o tempo que queria em cada lugar.? Decidiu, então, viajar para Fernando de Noronha só. ?Fui para um forró na praia meio sem jeito. Mas acabei conhecendo um nativo que me tirou para dançar?, conta ela, que é descendente de japoneses e surpreendeu todos com sua ginga. ?Ele também era mergulhador e me levou para lugares lindos que os turistas não conheceriam.? A partir daí, Jeni não parou mais. Uma ou duas vezes por ano ela viaja para destinos como Peru, Bolívia, Estados Unidos e Canadá. ?Quando viajamos com alguém, não fazemos muita questão de conhecer outras pessoas?, justifica. ?E sós podemos mudar o roteiro ao longo da viagem, sem a necessidade de entrar em acordo com o companheiro.? Quando estava na Bolívia, indo para o carnaval de Oruro, Jeni conheceu uma garota no ônibus, que prontamente a convidou para ficar em sua casa. ?Ela já estava cansada do carnaval. Mas me deixou com a chave para eu voltar a hora que quisesse. Foi incrível.? Em 2000, Jeni passou nove meses viajando pelos Estados Unidos e Canadá. Inscreveu-se num programa que leva grupos em trailers para um passeio de vinte dias pela região das Montanhas Rochosas. Com um grupo de coreanos e suíços, foi até o Alasca de van. ?Fomos no verão, época em que a vida natural explode por lá.? Diário de Bordo A paisagista Neiva Rizzotto, divorciada, de 58 anos, é outra que aderiu às viagens por conta própria. Apesar de falar quatro idiomas, antes ficava na dependência de uma companhia para viajar. ?Estava em Paris com amigas que trabalhavam com moda. Comecei a ficar um pouco chateada com as conversas sempre sobre o mesmo assunto?, lembra. ?Daí fui para a Itália sozinha e vi que podia usufruir de tudo com tanta intensidade, o olhar era apenas o meu. Comecei até a escrever sobre minhas emoções.? Isso já faz 21 anos: de lá para cá, já foi para a Turquia, Vietnã, Peru, Bali, Tailândia... De duas a três vezes por ano, ela embarca de forma independente: costuma reservar apenas o hotel. ?A única desvantagem é que sai mais caro?, pondera. Os seus interesses pessoais também podem ser desenvolvidos intensamente: na época em que estudava o xamanismo (tipo de religião dos povos asiáticos e árticos), fez uma viagem ao Peru com direito a réveillon às margens do lago Titicaca, num ritual. E quando Neiva estava num restaurante em Roma, puxou conversa sobre os eventos da cidade com um italiano da mesa ao lado. Papo vai, papo vem, ele acabou passando o telefone e, no final, foram juntos à paradisíaca cidade praiana de Positano. Em outra viagem pelo mesmo país, ela alugou um carro e foi conhecer a região da Sicília, no sul. Estava tomando um café no hotel e foi apresentada a um guia da Chechênia. ?Ele me contou que ia fazer um tour com um grupo alemão por toda a Sicília, e falou que eu podia seguir o ônibus deles com meu carro. Toda noite jantávamos juntos.? O espírito de liberdade não tem limites de idade. A italiana Anna Laura Pavia Straus, de 82 anos, não deixou de viajar depois que ficou viúva, há oito anos. Anualmente, ela vai em excursões, mas sempre sozinha, para destinos remotos. Entre os países que conheceu, estão a China, Índia, Tibet, Usbequistão, Romênia e até Islândia. Na Itália, vai visitar os parentes. ?A única dificuldade é carregar as malas quando tenho de mudar de um trem para outro, pegando escadas. Mas dou gorjeta para levarem para mim.? Desde que veio morar em São Paulo, há 60 anos, as viagens passaram a ser a sua prioridade. O primeiro salário que recebeu pagou um passeio à Argentina. Depois de casada, felizmente, ela encontrou no marido outro entusiasta por andanças pelo mundo. Juntos, fizeram inúmeras viagens. ?Mas nunca fomos ricos?, enfatiza. ?Comíamos comida barata e podíamos andar com uma baguete na mão pelas ruas de Paris. Até hoje, viajo com uma pequena resistência que funciona como fogão. Assim, consigo fazer sopinhas baratas.? Tão cedo, ela não vai parar. ?Estou ficando um pouco surda, mas, enquanto tenho visão, quero ver países diferentes?, entusiasma-se. ?O mundo é muito grande e tem tanto para ser visto... Talvez não tivesse coragem de ir sozinha se estivesse começando a viajar agora, mas já estou escolada.? Autoconhecimento Para manter o espírito zen, a mestre em reiki, professora de ioga e terapeuta holística Gabriela Kulaif Burns, de 32 anos, viaja sozinha de duas a três vezes por ano. Ela mora há cinco anos em Los Angeles. O filho Lucas, de 12 anos, fica com o pai ou com amigos enquanto Gabriela desvenda o mundo. Por conta própria, já foi para a Indonésia, Japão, França, Hawaí, e planeja ir para a Índia em breve. ?Adoro viajar sozinha. Isso me ajuda a conhecer meus limites, até onde posso ir, sem depender de outra pessoa?, fala. ?Cada viagem que faço me deixa mais forte e segura, porque vejo que posso passar por situações e sobreviver a elas. Gosto de observar as pessoas, fazer as coisas no meu tempo. Mas, no final, nunca fico sozinha, faço amigos que guardo no meu coração.? Apaixonada pelo mergulho em outras culturas, não lhe faltam histórias curiosas. Quando foi fazer depilação em Bali, por exemplo, descobriu que as mulheres realmente nunca estão satisfeitas com os atributos da natureza. - Após uma hora de tortura com duas mulheres me depilando ao mesmo tempo, percebi que elas não estavam familiarizadas com a técnica. Perguntei se estavam acostumadas a fazer aquilo e elas me contaram que as balinesas não têm pêlos. Só que usam um creme para nascer pêlo na perna, axila, em tudo! Porque elas acham lindo ter tudo peludo. Outra vez, ela estava num bangalô de frente para o mar numa lindíssima ilha da Indonésia. Mas, à noite, havia tantos lagartos e iguanas no seu quarto que ela só conseguia dormir quando amanhecia e os bichinhos iam embora. ?Só agüentei quatro noites, mas foi maravilhoso.? E ressalta: - Eu aconselho toda mulher a fazer uma viagem para um lugar longe e diferente ao menos uma vez na vida. No mínimo, essa experiência nos mostra que podemos tomar decisões e cuidar de nós mesmas sozinhas. É um grito de liberdade e independência, e a retomada de nosso poder.

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