Jardinagem como terapia

Cuidar do jardim é prática comum em cidades; sorte do meio ambiente e dos que colocam a mão na terra

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Por Mariana Abreu Sodré
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Segundo o clichê, todo mundo precisa plantar uma árvore. Já faz um tempinho que este mandamento tem se tornado popular: todos devem plantar muitas árvores para anular os efeitos da emissão de gás carbônico na atmosfera. Simbologias e razões à parte, plantar é bom. E não precisa ser só uma, ou várias árvores. Mas que tal um jardim? Professor de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC), Ari Rehfeld tinha uma jabuticabeira quando era criança. Hoje é dono de uma árvore, cultivada com o filho, e adora lidar com a terra. "A jardinagem é terapêutica. Principalmente para quem vive em cidade grande, já que o contato com a natureza possibilita a entrada em outro ritmo de tempo, sem stress", diz Ari. Veja também: Regras x erros S.O.S. do jardim Plantas para... Cursos para iniciantes "Plantar ainda exercita a humildade. Por exemplo: uma planta se modifica diariamente, e os olhos não conseguem acompanhar essa evolução. É preciso assistir a um vídeo em câmera ultra veloz para notar cada fase", comenta o professor. "Isso é mágico, mostra que, apesar de todos os cuidados que se possa ter com uma planta, sua vida depende da natureza. Assim, pode-se dizer que a jardinagem contribui, no mínimo, para um mundo mais bonito. E ajuda o homem a sentir-se parte do cosmos com humildade." Cristina de Araújo, diretora da Escola de Jardinagem do Parque do Ibirapuera, cita outros bons motivos para a prática. "Um pequeno jardim colabora para um melhor microclima, deixa o ambiente mais úmido, a temperatura mais amena, leva pássaros para o local, uma nova vida", afirma ela, que vê na jardinagem uma ferramenta cada vez mais necessária para a educação ambiental. "Não é preciso ser ecochato para contribuir com o meio ambiente. E não adianta vir com a desculpa da falta de espaço. Pode-se ter uma jardineira, um terrário ou uma horta vertical em um apartamento pequeno, e há plantas próprias para áreas internas de residências ou escritórios. Basta querer", frisa Cristina, que, na Escola de Jardinagem, desenvolve também projetos sociais - como o Crer-Ser, que, desde 1985, profissionaliza menores carentes. Assistente de paisagismo da loja Garden Sul, Angélica Soares, de 20 anos, foi aluna do Crer-Ser em 2006. Antes de chegar ao curso, por intermédio de uma amiga, nunca havia pensado em colocar a mão na terra. "Era tímida e não tinha muita expectativa profissional. O bacana do curso é que, além de ensinar um oficio, o de jardineiro, apresenta ao aluno outras atividades, como o teatro e o cinema. Tive ainda aulas de português e informática. Hoje pago a faculdade de biologia com o meu salário e ajudo nas despesas de casa, graças à jardinagem", conta a futura bióloga. José Carlos Lima, o Zeca, de 19 anos, foi levado por Angélica para a sala de aula e também mudou sua rotina. Ele trabalha em jardins de residências e na mesma empresa que a amiga Angélica. "Gastava o dia jogando cartas, e passando por batidas policiais", lembra-se. Angélica Soares e José Carlos Lima: Mudança de vida com a jardinagem  Em comum, além da profissão, dos jardins e de maiores chances para o futuro, os amigos Angélica e Zeca têm o carinho pela professora Assucena Tupiassu, autora do livro Da Planta ao Jardim (editora Nobel). Lançada recentemente, a publicação traz o passo-a-passo para os que querem se iniciar na jardinagem, seja por hobby ou profissão. "Sou filha de uma 'ladra' de mudas de plantas, que me deu nome de flor. Minha mãe sempre amou a natureza e me transmitiu isso", brinca Assucena, bióloga, urbanista e paisagista. Em seu livro, ensina, entre outras coisas, como preparar o solo, escolher plantas, evitar pragas... e até dá o bê-á-bá para se fazer o orçamento de um plano de paisagismo. Assucena Taipassu: Apaixonada por jardinagem e autora do livro Da Planta ao Jardim Outro ótimo guia de jardinagem é o assinado pelo paisagista Raul Cânovas, chamado Um Jardim Para Sempre, Manual Prático para Manutenção de Jardins. Em sua segunda edição, o manual traz, além de uma base didática bem detalhada e de dicas eficientes para preservação e cuidados com o jardim, capítulos dedicados à influência das fases da lua no jardim e até dos astros. "A ideia de que o movimento do sol, da lua e dos planetas no universo interfere nas plantas é muito antiga: vem da Mesopotâmia", conta Cânovas, que fez uma pesquisa intensa e extensa para sua obra. "Antes os livros sobre jardinagem eram estrangeiros, traduzidos para o português, e não tratavam do nosso clima, das plantas, árvores e flores nativas", assinala Cânovas. "Preocupei-me em abordar nossa realidade", diz o paisagista argentino radicado no Brasil, que ministra aulas na livraria Cultura. "O título, Um Jardim Para Sempre, não foi fabricado. É uma convicção. Um jardim nunca é temporário. Bons exemplos são os da Villa Lante, no norte da Itália, criados no século 15 e admirados até hoje", explica o autor. "Até o século 19, os jardins eram imensos e considerados arte. Após as crises, do pós-guerra, diminuíram, foram adaptados para ambientes menores, ao mesmo tempo em que cresceram em quantidade. O tamanho não importa", comenta. Suzanne Seymour Burt, do São Paulo Garden Club (clube de jardinagem fundado em 1939), concorda. "Mais importante que o tamanho é o cuidado e o prazer que o jardim e as flores proporcionam", explica ela, que, junto com Maria Thereza Cintra, é a responsável pelo calendário anual do clube, muito famoso entre os amantes da jardinagem. Em sua 15ª edição, a folhinha traz dicas para quem gosta de colocar a mão na terra e receitas que podem ser feitas com ervas de cultivo próprio. "O clube oferece palestras e discussões sobre o assunto, e realiza uma exposição anual de arranjos no Centro Britânico, em São Paulo. O calendário surgiu do interesse de jardinistas amadoras, que cultivam a natureza por prazer, como nós", completa. "Não é um calendário só bonito, mas informativo também. Não o fazemos com pretensões comerciais, por isso a tiragem é pequena e se esgota logo", avisa Suzanne, que se interessou por jardinagem depois que pragas assolaram seu sítio. "A partir daí, entrei para o clube e comecei a estudar o tema. Antes disso, olhava pra um jardim como quem vê uma multidão, sem entender muito. O contato com a jardinagem é encantador e enriquecedor", afirma ela. Para ser sócio do clube (www.geocities.com/sp_gc/), que conta com 100 associadas, é preciso ser indicada por um antigo membro e passar por reuniões. No entanto, para começar a jardinar, basta ter vontade. Arregace as mangas e mão na terra! Suzanne Seymour Burt e Maria Thereza Cintra: Ambas do São Paulo Garden Club

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