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Insetos em guerra

Por Fernando Reinach
Atualização:

Quem viu afirma que é chocante. Todo ano, na pacífica Dinamarca, uma borboleta e uma formiga se envolvem em uma desesperada corrida armamentista. Mal a lagarta da borboleta azul Maculinea alcon eclode do ovo, sua presença é detectada pelas formigas. As formigas da espécie Myrmica rubra se aproximam da frágil e indefesa lagarta com suas enormes mandíbulas. Mas, em vez de matá-la e devorá-la, a formiga ergue delicadamente a lagarta e cuidadosamente a leva para o formigueiro. O que ocorre lá dentro é ainda mais impressionante. Durante semanas, as formigas alimentam a lagarta da borboleta azul com um cuidado e dedicação maior que o dedicado às suas próprias filhas. Por fim, bem alimentada e crescida, a lagarta forma seu casulo de onde eclode uma linda borboleta azul. Na realidade a borboleta é um parasita da formiga. Tanta é a dedicação das formigas em cuidar desse sofisticado parasita que, ao deixar de cuidar de suas próprias filhas, prejudicam sua sobrevivência para garantir a sobrevivência da borboleta azul. Mas qual seria o mecanismo usado pela borboleta para convencer as formigas a adotarem seus filhotes? Os biólogos dinamarqueses descobriram que as lagartas produzem uma série de compostos químicos "cheirosos" idênticos aos produzidos pelos filhotes das formigas. Como o cheiro exalado pelos dois tipos de filhotes é igual, as formigas pensam que estão cuidando de uma de suas filhas. Vem daí sua enorme dedicação às lagartas da borboleta. Analisando os compostos cheirosos de pares de borboletas e formigas coletados em diferentes regiões da Dinamarca, os cientistas descobriram que em cada região os compostos produzidos pelo par são idênticos. Mas quando eles compararam um par de uma região com um par de uma outra região eles descobriram que os compostos eram ligeiramente diferentes. Devido a essas diferenças, se você coletar uma lagarta de borboleta no norte e a oferecer a uma formiga do sul, ela vai hesitar um pouco antes de levar a lagarta para o ninho. Ela deve imaginar algo como: "Essa minha filha está com um cheiro estranho..." O fato de esses insetos produzirem moléculas idênticas em diferentes regiões sugere a existência de uma corrida armamentista entre as espécies. Imagine que uma formiga sofra uma mutação e comece a produzir um "cheiro" diferente. Isso vai permitir que ela seja capaz de distinguir os parasitas de seus próprios filhos e, desse modo, cuidar melhor dos seus filhos. Os parasitas vão ter mais dificuldade em serem recolhidos e cuidados. Vitória para a formiga! Mas imagine que logo a seguir uma das borboletas sofra a mesma mutação e passe a produzir o novo cheiro. A partir deste momento, ela passa a ser "amada" novamente pelas formigas e sua capacidade de parasitar é aumentada. Como consequência as formigas ficam debilitadas. Vitória para a borboleta! A partir desse ponto a formiga e a borboleta repetem o ciclo. O resultado é uma corrida armamentista entre as duas espécies, uma desenvolvendo uma arma para se defender do parasita enquanto a outra desenvolve uma nova arma para renovar sua superioridade. O resultado é diversos pares de espécies, cada par com um cheiro distinto. É a evolução darwiniana ocorrendo em frente aos nossos olhos. *Biólogo - fernando@reinach.com Mais informações: A mosaic of chemical coevolution in a large blue butterfly. Science, vol.319

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