Homens estreiam como parteiros

Eles defendem a humanização do parto e admitem que acompanhar o nascimento do próprio filho é mais difícil

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Por Karina Toledo
Atualização:

Aos 24 anos, Michel Silva já fez cerca de 50 partos, alguns durante o curso de Obstetrícia, que concluiu no ano passado, e outros no estágio voluntário que realiza na Santa Casa de Misericórdia de Mauá, na Grande São Paulo. Desde que optou pela carreira de obstetriz - palavra que vale para homens e mulheres e traduz a versão moderna das antigas parteiras -, já perdeu a conta de quantos bebês assistiu ou ajudou a nascer. Mas no dia 27 de janeiro presenciou um nascimento em especial: Heitor, seu primeiro filho. "Eu tinha muita vontade de fazer o parto, mas tinha medo de não aguentar a emoção. Acho que tomei a decisão certa ao optar por um médico, e pelo hospital, assim pude vivenciar essa experiência como pai." Seus colegas de turma Marcel Queiróz, de 21 anos, e Fabrício Rodrigues, de 22, que ainda não têm filhos, mas "esperam ansiosos por esse momento", concordam. "Nessa hora quero ser apenas marido e pai. Se tiver de me preocupar em examinar minha mulher toda hora, a razão vai suprimir a emoção, não vou curtir", diz Queiróz. "A experiência mostra que por mais que pareça que está tudo bem, quando menos se espera algo pode dar errado, por isso não optaria pelo parto domiciliar", conta Rodrigues. Wernestty Tassi, de 27 anos, é o único dos quatro homens da primeira turma de obstetrizes formados pela USP Leste que pensava diferente. "Eu e minha esposa planejamos fazer o parto de nosso primeiro filho em casa. Já tinha comprado gaze, soro, oxitocina, fio de sutura e até uma piscina para ajudar no trabalho de parto." Felipe nasceu no dia 3, mas antes disso as coisas não saíram como planejado. "A bolsa rompeu com 39 semanas de gestação e notei que no líquido amniótico havia mecônio (primeiras fezes do bebê, normalmente expelidas após o nascimento). O casal correu para o hospital, onde tentaram induzir o parto normal até o último minuto, mas não foi possível escapar da cesariana. Agora, a ideia de um parto domiciliar numa futura gestação não parece mais viável. "Quando não se tem contato anterior com a paciente é mais fácil acalmá-la e tomar as decisões. Com sua esposa é diferente, é difícil vê-la sofrendo." Imprevistos à parte, Tassi considera que a experiência contribuiu para torná-lo um profissional melhor. "Antes minha preocupação era muito mais centrada na mulher. Hoje minha sensibilidade está maior, mudou meu jeito de olhar a família", afirma. Dos oito rapazes que faziam parte da primeira turma de Obstetrícia - composta por 60 alunos - somente os quatro chegaram até o fim, e se dizem apaixonados pela área. "Compramos uma ideia revolucionária, que é mudar o modelo de nascimento no País", diz Queiróz. "Podemos tornar essa experiência mais humana e mais digna para muitas mulheres e para seus filhos", defende Tassi. Nenhum deles conseguiu emprego formal ainda, mas garantem que o fato de serem homens não é o motivo. "Está difícil para todo mundo, a maioria das pessoas ainda não conhece o curso. Alguns hospitais acham que nossa formação é muito específica. Atuamos como enfermeiros obstetras, mas não podemos ser remanejados para outros setores, se necessário", explica Silva. Para a idealizadora do curso da USP Leste Dulce Gualda, obstetriz formada há 40 anos - época em que a presença masculina nessa sala de aula não era nem cogitada - "quando os primeiros formandos, homens e mulheres, conseguirem entrar no mercado e mostrar sua capacidade, aí a coisa começa a andar." NOVO OFÍCIO Michel Silva Obstetriz "Eu tinha muita vontade de fazer o parto (do 1.º filho), mas tinha medo de não aguentar a emoção. Tomei a decisão certa ao optar por um médico, assim pude viver a experiência como pai" Wernestty Tassi Obstetriz "Quando não se tem contato com a paciente é mais fácil tomar as decisões. Com sua esposa é diferente, é difícil vê-la sofrendo" Marcel Queiróz Obstetriz "Compramos uma ideia revolucionária, que é mudar o modelo de nascimento no País"

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