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''Há anos, eu decidi que seria o melhor professor do mundo''

Ky Adderley: diretor da escola americana AMP; em visita ao País, educador conta sobre sua escola inovadora nos EUA e defende parceria com empresas na rede pública

Por Marcia Vieira e RIO
Atualização:

O modelo é inusitado até mesmo para um país de primeiro mundo. Os 300 alunos, na sua maioria negros e pobres, passam dez horas por dia na escola AMP (sigla, em inglês, para "sempre mentalmente preparado") no bairro do Brooklyn, em Nova York. Fazem diariamente 90 minutos de capoeira com professores brasileiros que dão as instruções em português. Aprendem as matérias cantando rap, com letras que incluem conteúdos de história, geografia, geometria. Quando os alunos têm dúvidas, conta o fundador e diretor da escola, Ky Adderley, de 33 anos, podem ligar até para o celular do professor. A qualquer hora. Só não valem desculpas para chegar atrasado, faltar à aula ou repetir de ano. "Há anos, decidi que ia ser o melhor professor do mundo", conta Adderley, lembrando o início da sua carreira, quando estudou as diferenças de desempenho de alunos de escolas públicas e privadas. O educador esteve no Rio para conversar com alunos e professores do Colégio Estadual José Leite Lopes, na Tijuca, zona norte da cidade. O que une a escola carioca e a americana é o fato de serem parte de parcerias entre governo e iniciativa privada. Na AMP, o governo americano paga 80% das despesas e o restante é bancado por empresas. No Rio, o Estado paga os professores da rede pública e a Oi, empresa de telefonia, mantém o prédio e um núcleo de educação em que se desenvolvem jogos eletrônicos. Segundo Adderley, o objetivo da escola americana é de mudar o quadro atual de que apenas um em cada oito alunos da rede pública do país ingressa na universidade. Sua escola é uma das 66 de um programa conhecido como Knowledge is Power Program (Kipp), que significa em português "conhecimento é um programa poderoso". A organização atende 16 mil alunos em 19 Estados americanos. Depois de mais de dez anos de atuação, 80% dos alunos da Kipp entraram numa universidade. Addlerly também comemora outros bons resultados. No teste de avaliação de leitura, entre as escolas públicas de Nova York, seus estudantes tiveram 70% de aproveitamento contra 50% das outras escolas. Em matemática, foi 94% ante 48%. Veja a seguir a entrevista concedida ao Estado. Como surgiu a idéia de fundar a escola? Eu sou da Filadélfia, estudei em escola pública e privada, conheço a diferença entre as duas. Entrei na faculdade porque era atleta. Vi que eu não tinha o preparo suficiente para estar naquela sala de aula. Eu não sabia as coisas que eu deveria saber. O que um colega fazia em uma hora eu demorava três. Os meus professores não esperavam muito de mim. Mas conheci um que fazia um estudo que comparava escola pública e particular nos EUA. Aquilo foi fundamental para mim. Entrei para um programa de formação de docentes e, naquele ano, decidi que ia ser o melhor professor do mundo. Para isso precisava abrir sua própria escola? Quando fui dar aulas, me deparei com aquela situação de professores desestimulados por baixos salários. Professores que não eram respeitados. Conheci a Kipp e achei que era o melhor caminho. Em 2005 abri a escola com 70 alunos. Hoje são 300. O governo nos dá liberdade para gastar o dinheiro como bem quisermos e dar o conteúdo previsto em cada série do jeito que escolhermos. O salário do nosso professor é 20% maior do que os dos outros professores da rede pública. Mas exigimos dedicação total. E sobretudo, motivação. Eles estão disponíveis para os alunos quase 24 horas por dia. Qual o perfil dos seus alunos? Todos são negros ou descendentes de latinos. E são pobres. O Brooklyn é uma área cheia de problemas, um dos bairros mais perigosos do país. Nossa escola ocupa um andar em um prédio só de escolas públicas. Acontece de tudo, já teve até guarda assassinado por aluno. Por isso eu não tenho sala de diretor, minha mesa fica no corredor. Quero saber o que acontece dentro da minha escola e com os meus alunos. Me mudei para um apartamento ao lado da escola. É importante para eles verem que eu também vivo ali. Em que a rotina dos seu alunos é diferente dos outros? Em tudo. O horário é integral, eles usam uniforme e têm aulas aos sábados. Cortamos três semanas das férias de verão. Para conseguir resultados, é preciso dar duro. Não existe outro jeito. O histórico dos meninos, a pobreza e os problemas familiares não são justificativas para um mau desempenho. Oferecemos um ensino de qualidade e cobramos resultados. Mas os alunos não reclamam de tanto trabalho? No início eles estranham, mas depois adoram. Nossas aulas são divertidas. Não temos muita tecnologia, mas temos técnicas motivacionais. Os alunos se divertem. Os melhores alunos fazem uma viagem por ano com tudo pago pela escola. Ano que vem, 15 deles vão para a Bahia, conhecer a terra da capoeira no Brasil. Por que ensinar capoeira? Capoeira é muito difícil, trabalha disciplina, dedicação e empenho. Se você se dedicar a uma arte marcial, você será bem-sucedido em qualquer coisa que fizer. Como as minhas crianças são de famílias afrodescendentes e latinas, escolhi a capoeira. Tem a ver com o passado delas. No Rio existe um sistema de progressão continuada em que não há repetência. Vocês fazem a mesma coisa lá? De jeito nenhum. Durante o ano damos aulas extras para compensar atrasos, mas só pode passar quem aprendeu. Muitos pais ficam contra nós, mas não cedemos. Como é a seleção para entrar na escola? Sorteio. Oferecemos 90 vagas por ano e temos 600 inscritos.A partir de 2009 vamos oferecer também ensino médio.

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