Garotas papo firme

Muita lábia e o dom da improvisação eram talentos comuns às garotas-propaganda dos anos dourados, quando a TV era ao vivo

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Por Vera Fiori
Atualização:

Cercados de aparatos tecnológicos, celebridades e efeitos especiais, os comerciais de TV são uma atração à parte, bem diferentes do tempo em que eram ao vivo, nos anos 1950. A cenografia - se é que poderia ser chamada assim - consistia em um fundo modesto, uma mesinha e o produto em questão. O glamour ficava para as garotas-propaganda (também chamadas de anunciadoras), maquiadas e bem vestidas. Elas não podiam errar o texto nem se atrapalhar em cena, porque, sem o recurso da edição, o estrago não tinha volta.

 

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Testar receitas, mostrar o funcionamento de móveis e eletrodomésticos eram novidades, e as garotas do vídeo estabeleciam uma cumplicidade com as donas de casa. Rosa Maria, Neide Aparecida, Idalina de Oliveira, Meire Nogueira e Neyde Alexandre (só para citar algumas) brilharam nas tevês Tupi, Paulista (atual Globo) e Record. Elas mal dispunham de espaço físico para a gravação de seus quadros. Por sua vez, os produtores tinham de tomar cuidado para não fazerem barulho enquanto arrumavam o estúdio para as outras atrações. Era o início dos anos dourados da publicidade na telinha, que durou até a era do videotape.

 

 

 

SHELLTOX, QUEM LEMBRA?

 

Muito antes dos atuais aerossóis contra insetos, as donas de casa usavam um tipo de bomba que empesteava os ambientes com o cheiro forte, e prometiam "o completo expurgo dos insetos caseiros". Bem, não só os visitantes indesejáveis eram exterminados, como também a garota-propaganda. Aos risos, Meire Nogueira tem péssimas recordações do comercial da tal bomba da marca Shelltox, que defumava todo o ambiente."Era o meu aniversário e pedi para ser substituída no comercial da noite, mas a substituta não apareceu no estúdio e fui demitida."

 

Hoje é apresentadora do programa Tempo de Viver, na TV Educativa Paraná. Meire, que é paranaense, começou a carreira aos 16 anos, contrariando os rígidos padrões familiares da época. "Vim para São Paulo, pois era deslumbrada com o que via nas revistas de TV, e queria muito conhecer a Record. Sem que soubesse, meus primos me inscreveram num concurso de talentos da emissora e acabei ganhando."

 

"Rivalidade? Tinha sim! Era como time de futebol, equipe A, equipe B. De um lado, as novatas, de outro, as veteranas." As garotas atuavam tanto na linha de frente como fazendo figuração. "Se o comercial era de sabão em pó, tinha uma de nós lá no fundo, lavando roupa." Conta que os homens não faziam comerciais, pois corriam o risco de serem desmoralizados. "Mas o experiente apresentador e locutor Randal Juliano quebrou o tabu e fez sucesso."

 

Lembra que, apesar da fama, vivia sob pressão. "Eram mais de 200 anúncios por mês, cerca de 8 a 9 por dia. Decorar as falas acabou virando uma obsessão para mim mesmo fora do trabalho. Quando ia ao cinema, queria decorar as legendas."

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Comparando a TV de ontem com a de hoje, afirma que, se nos anos 60 os recursos eram escassos, sobrava criatividade e o dom do improviso. "A TV Paranaense, por exemplo, foi criada numa quitinete", recorda-se.

 

 

 

 

ENSAIOS NA COZINHA

 

Neyde Alexandre começou a carreira aos 16 anos, por acaso, quando foi conhecer a TV Tupi, levada pela radioatriz Norah Fontes. Morena clara e com uma pintinha no rosto (sua marca), foi convidada a fazer um teste para comerciais. "Mulherões com curvas à la Marilyn Monroe estavam no auge. Quando viu aquela jovem magrinha e de franja no estúdio, o diretor, Cassiano Gabus Mendes, ficou meio na dúvida." Por fim, foi convencido ao ver sua facilidade para decorar os textos e seu talento para vender. E Neyde conquistou grandes anunciantes, como Nestlé, Pullmann, Lazco, ODD.

 

Apesar da pouca idade, era muito autocrítica e perfeccionista. Lembra até hoje de um comercial de massa de pizza da Pullmann. "Como era tudo ao vivo, antes de chegar ao estúdio, eu treinava na pia de casa, com a minha mãe ao lado. Tinha um minuto para falar e mostrar o passo a passo da pizza. A parte que mais me deixava nervosa era ajeitar a massa na forma." Geniosa, teimava em não dar uma piscadinha para a câmera no fim do anúncio, praxe entre as concorrentes. "A vedete era o produto, e não eu."

 

Aprendeu com o tempo a negociar os cachês, quando assinou um contrato milionário com a Ultragaz. Integrou o elenco da TV Record, de 1963 a 1971, chegou a gravar um compacto, apresentou o telejornal Hoje, da TV Globo, entre 1971 e 1974, atuou em novela e, depois, mudou-se para a TV Cultura. Apesar do sucesso, conta, não pensava em seguir a carreira artística. "A minha verdadeira vocação era a medicina", fala Neyde, que acabou se formando em Ciências Sociais pela USP.

 

 

 

HEROÍNA E ATÉ CANTORA

 

Idalina de Oliveira, 25 anos de TV Record, inspirou muitas garotas dos anos 60 com seu estilo na TV: cabelo gatinho, delineador, roupas e bijuterias enormes com desenhos de op art. Como as colegas de estúdio, também começou jovem, aos 15 anos. "Fui conhecer os estúdios da Record e, no mesmo dia, recebi um convite para fazer o comercial. Decorei o texto mais ou menos e desisti. Mas, ao ver as outras anunciadoras, repensei e resolvi tentar."

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Entre os muitos comerciais, lembra-se de dois em especial. "Um deles era sobre uma marca de fogão. Sob direção de Newton Travesso, contracenava comigo mesma, uma inovação na época. O outro era o de um rádio portátil, que ficava suspenso num fundo escuro, cheio de estrelinhas, e eu ia ao encontro do aparelho, lentamente, sentada em cima de uma câmera de filmagem enorme." Decorar textos longos não era nada fácil e, às vezes, as meninas contavam com o recurso da "dália", uma folha de cartolina com letras bem grandes.

 

Além dos comerciais, Idalina atuou em programas infantis (era a heroína Silvana, do seriado Capitão 7), como apresentadora dos grandes musicais da emissora e até gravou discos, um deles com composições de Roberto e Erasmo. Ganhou vários prêmios, como o das Dez Mais Elegantes da TV, além de três Roquete Pinto. Há oito anos, está no programa de entrevistas Prazer em Conhecê-lo, exibido pela Rede Vida nos domingos à noite. "Rever aqueles tempos é uma higiene mental. A Record era uma família. Hoje a TV é uma indústria e o merchandising é frio, desprovido de glamour."

 

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