PUBLICIDADE

Fraude coloca qualidade em xeque

Para Idec, adulteração do leite levanta dúvidas sobre a fiscalização de outros alimentos; Anvisa nega falhas

Foto do author José Maria Tomazela
Por Emilio Sant'Anna e José Maria Tomazela
Atualização:

As adulterações encontradas durante a Operação Ouro Branco, da Polícia Federal, no setor de laticínios colocam em dúvida a qualidade do controle sanitário feito no País sobre outros alimentos. Essa é a avaliação do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). Para a conselheira do instituto e especialista em vigilância sanitária Sílvia Vignola, a atenção a esse problema aumentou nos últimos anos no Brasil, mas ainda falta muito a ser feito no País. Após os escândalos da adulteração do leite longa-vida em Minas, o Idec enviou uma carta aberta para o Ministério da Agricultura e para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) cobrando maior clareza na divulgação dos resultados das análises dos produtos interditados e um controle mais efetivo não apenas sobre o leite, mas também em relação aos demais alimentos. Um dos problemas, segundo a conselheira do Idec, é o menor controle e fiscalização dos produtos vendidos no País em relação aos destinados ao mercado externo. "O Brasil vem aprimorando seu sistema de vigilância, mas ainda há um olhar diferenciado para o que é exportado." O Brasil é signatário do Codex Alimentarius, programa de normas alimentares criado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1963. As diretrizes do programa referem-se aos aspectos de higiene e das propriedades nutricionais dos alimentos. Sílvia, no entanto, afirma que alguns deles, como o leite e a carne, ainda podem ficar à margem dessa regulamentação. "Existem locais no País em que se faz o abate de animais sem nenhum critério sanitário, o que pode causar a transmissão de doenças", diz. "Mesmo na periferia de grandes cidades ainda é possível encontrar carne sendo vendida em locais sem refrigeração, como as feiras." Outra situação preocupante é a presença de resíduos nos produtos que chegam à mesa dos brasileiros. Entre esses resíduos podem estar, por exemplo, hormônios utilizados na criação de frangos. "O Idec já acionou até mesmo a Justiça para proibir a utilização de certos remédios veterinários, como hormônios de crescimento", afirma Sílvia. "Quando parte do sistema falha, todo ele é colocado em xeque." Para a gerente-geral de alimentos da Anvisa, Denise Resende, o consumidor não deve ser tão radical. "Não é porque tivemos um caso de fraude no leite que significa que todos os outros produtos vendidos no País são de má qualidade", diz. Denise prefere tratar a fraude do leite como assunto de polícia a acreditar que isso revele uma falha nos sistemas de fiscalização. A análise dos alimentos presentes no mercado é feita de acordo com a indicação das vigilâncias sanitárias de cada Estado que elegem anualmente os produtos de maior risco. Minas, por exemplo, conta com um programa de monitoramento do leite anterior às denúncias da PF. PECUÁRIA Segundo o zootecnista da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Sérgio Rustichelli Teixeira, a qualidade da produção do leite brasileiro cresce a cada dia. Não fosse assim, o País não teria atingido marcas recordes na produção, além de se tornar exportador do produto. De acordo com Teixeira, manter a qualidade do leite deve ser a preocupação do produtor desde a ordenha. "A responsabilidade do produtor não acaba depois da ordenha", diz. Após essa etapa, o leite deve permanecer em tanques refrigerados por no máximo dois dias, antes de ser levado para o laticínio, explica. A mesma opinião tem o diretor da Embrapa Kepler Euclides Filho. Ele exemplifica dizendo que a produção de carne de boa qualidade depende da preocupação de todos os envolvidos no processo. "Não se pode construir uma casa pelo telhado." Ele identifica problemas que vão desde a produção até a comercialização do produto. "Fazemos um manejo de pastagens ainda inadequado, o que acaba exaurindo o solo", diz. Uma das medidas propostas pela Embrapa é a implantação de um sistema de identificação da carne que permita o rastreamento do produto ao longo de toda a cadeia produtiva. Isso permitirá um maior controle da qualidade. "Temos que deixar de produzir apenas carne e nos preocupar em produzir alimentos de qualidade. É uma mudança de conceito", afirma. O controle de animais nas áreas de fronteira também é um dos desafios para o setor. A intenção é evitar a entrada no mercado nacional de gado de países vizinhos sem a garantia de vacinação contra a febre aftosa. "Estamos avançando nesse processo com o uso de chips eletrônicos", explica. CITRICULTURA No caso do suco de laranja, a qualidade começa na formação do pomar, segundo o engenheiro agrônomo Ernesto Luiz Pires de Almeida, que atende produtores do sudoeste paulista. Para o plantio, devem ser escolhidas mudas de viveiros certificados. É o que garante que elas estejam isentas de doenças e pragas que podem levar à eliminação da lavoura. Se aparecerem doenças, como o cancro cítrico, todo o pomar tem de ser erradicado. No Estado de São Paulo, maior produtor do Brasil, o citricultor precisa fazer - e comprovar - a cada três meses o controle das principais doenças dos laranjais. Por estarem sujeitos a várias doenças e pragas, as plantações precisam ser pulverizadas com freqüência com inseticidas, acaricidas, fungicidas e herbicidas. É preciso, no entanto, respeitar o prazo de carência determinado no receituário agronômico de cada insumo. Além disso, há uma série de produtos cujo uso nas lavouras é vedado pelos importadores por causa do efeito residual. Se as práticas recomendadas não forem seguidas, há risco da constatação de resíduos desses agrotóxicos no produto final, o suco. "As empresas são extremamente rigorosas com isso, pois grande parte do suco é exportada para a Europa e os Estados Unidos", diz Almeida. Os importadores nesses países submetem o suco brasileiro a testes para detecção de resíduos com aparelhos sofisticados. Se for detectado resíduo, o produto é rejeitado. O suco que abastece o mercado interno tem o mesmo padrão de qualidade do exportado, segundo o agrônomo. "Não compensa para a indústria manter linhas diferenciadas de produção, pois quase tudo é exportado." A grade de ingredientes ativos que não podem ser usados é divulgada periodicamente pelo Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus). Desrespeitar essa regra é correr o risco de perder toda a produção. Amostras da laranja são analisadas antes de a fruta entrar no processo industrial. Para ser embalado para a distribuição interna, o suco concentrado é diluído, e a água precisa ser de boa qualidade. A embalagem deve conter o porcentual de suco concentrado e informar se houve ou não adição de ingredientes, como o açúcar. O suco pasteurizado e embalado dispensa conservante químico.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.