Ferro em farinha surte pouco efeito

Anvisa exigiu a fortificação do produto há quatro anos, mas ainda são fracos os resultados no combate à anemia

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Por Fabiane Leite
Atualização:

Após quase quatro anos da entrada das farinhas de trigo e milho enriquecidas com ferro no mercado brasileiro, ainda não há evidências de que a medida tenha tido algum efeito no combate à anemia causada pela deficiência do micronutriente. É o que afirma um estudo da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) feito com nove mil gestantes nos serviços de saúde de sete capitais. Resultados parciais da avaliação mostram taxas estatisticamente significativas de redução de anemia só em um dos sete serviços, o de Teresina, no Piauí . Faltam dados de dois serviços. A anemia é a principal doença causada pela carência de um micronutriente, atinge todas as classes sociais e causa a diminuição do número de glóbulos vermelhos no sangue, responsáveis pelo transporte de oxigênio. Os sintomas - cansaço e prejuízos ao raciocínio, ao aprendizado e ao desenvolvimento - são difíceis de serem relacionados à doença. O Ministério da Saúde estima, com base em diferentes estudos, que 50% das crianças de até 5 anos e 30% das grávidas no País sofrem de anemia. Segundo a Organização Mundial da Saúde, taxas acima de 5% são motivo de preocupação. A fortificação de farinhas é parte de uma série de ações com o objetivo de reduzir esses índices. Os fabricantes foram obrigados a adicionar 4,2 miligramas de ferro e 150 microgramas de ácido fólico (vitamina B9) para cada 100 gramas de farinha. No trabalho coordenado pela USP foram avaliadas as dosagens de hemoglobina no sangue de grávidas, um indicador da anemia. Foram analisados dois grupos: gestantes atendidas antes da fortificação das farinhas e outras que procuraram os serviços um ano depois da medida. A anemia na gravidez aumenta o risco de partos prematuros, baixo peso ao nascer, mortalidade materna e anemia infantil. "A prevalência não mudou; na verdade, ela se mantém", afirma Sophia Szarfarc, professora associada do departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP. "Mas a fortificação da farinha representa um grande avanço para o controle da anemia por deficiência do ferro. Os resultados servirão para uma reflexão." Para especialistas, sobram perguntas sobre os motivos de a regra determinada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não ter funcionado ainda. Será avaliado se o consumo foi menor do que o esperado, se o ferro adicionado não tinha capacidade de ser absorvido pelo organismo ou se a dieta do brasileiro pode ter contribuído. Isso porque alguns alimentos, como o leite, podem dificultar a absorção do ferro, por causa do cálcio. Por enquanto, a adição só se mostrou eficaz em populações com alimentação controlada, como crianças de creches cuja dieta tem grande quantidade de farináceos com ferro, como bolachas e pães. Os especialistas alertam que o controle sobre a indústria de farinhas é pequeno. "Ninguém garante que no pãozinho há ferro na qualidade e na quantidade necessárias e que ele está sendo consumido na quantidade necessária", diz Szarfarc. William César Latorre, diretor de alimentos do Centro de Vigilância Sanitária do Estado, aponta em sua dissertação de mestrado outros obstáculos, como o aumento nos preços de produtos feitos a base de trigo. Além disso, não há obrigatoriedade de que os rótulos informem a quantidade de ferro dos alimentos. Para ele, seria necessário discutir estímulos ao consumo de alimentos que já têm o micronutriente ou considerar outros alvos de fortificação, como o arroz. "Um país que mantém uma população anêmica de crianças está produzindo subnutridos que, sem capacidade de aprendizado, serão trabalhadores braçais", diz. A necessidade diária de ingestão de ferro varia de acordo com a idade. A recomendação varia de 0,27 mg, de 0 a 6 meses, até 9 mg diários, dos 7 aos 10 anos. IMPACTO 19,1% foi a prevalência de anemia depois da fortificação das farinhas na região Norte; antes era de 24% 11,5% é o índice na região Nordeste, nos serviços de saúde de Teresina, única capital em que houve grande diminuição. Era 27,2% antes de medida 30,6% foi registrado na região Centro-Oeste; era 25,6% antes da fortificação 8,6% de mulheres com anemia foi a taxa no Sudeste, nos serviços de São Paulo. O índice anterior era de 9,2% 9,5% na região Sul apresentaram anemia depois da fortificação das farinhas. O índice foi menor do que o registrado antes da política, de 12,4%

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