Evolução do ''''Homo sapiens'''' continua, cem vezes mais rápida

Processo acelerou nos últimos 40 mil anos, quando homem moderno se instalou na Europa, Ásia e Austrália

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Por Herton Escobar
Atualização:

Os seres humanos modernos (Homo sapiens) evoluíram mais rapidamente nos últimos 40 mil anos do que nos 6 milhões de anos desde que hominídeos e chimpanzés se separaram de um ancestral comum. Anatomicamente, foi uma evolução bem menos perceptível do que a que nos transformou em animais bípedes, com postura ereta e cérebros avantajados. Evidências genéticas, entretanto, mostram que, ao deixar a África para povoar outros continentes, o Homo sapiens teve de se adaptar como nunca a novas pressões ambientais, segundo um estudo publicado ontem. À medida que a população cresceu e se dispersou pelo globo, o homem se viu exposto a condições climáticas, geográficas e demográficas muito diferentes daquelas a que estava acostumado no berço africano. Entre os que migraram para terras ao norte, mais frias e com dias mais curtos, prevaleceram os indivíduos de pele mais clara - teoricamente, por serem capazes de aproveitar melhor a luz solar, necessária para produção de vitamina D. "Os europeus ficaram mais claros, mais loiros e com olhos mais azuis nos últimos 5 mil anos", disse ao Estado o antropólogo Henry Harpending, da Universidade de Utah, que assina o estudo. Os resultados, publicados na revista científica PNAS, sugerem que as populações de cada continente se tornaram mais distintas geneticamente nos últimos 40 mil anos - cada uma adaptada a suas condições locais. "Estamos nos tornando menos parecidos e não convergindo para uma humanidade única, homogênea", diz Harpending. A evolução nesse período (desde que o homem moderno se instalou na Europa, na Ásia e chegou à Austrália) foi cem vezes mais rápida do que a média dos últimos 6 milhões de anos, segundo os cientistas. As mudanças tornaram-se ainda mais velozes nos últimos 10 mil anos, a partir do fim da era glacial e da invenção da agricultura. As populações tornaram-se maiores, mais concentradas, mais fixas e, conseqüentemente, mais suscetíveis a doenças infecciosas. Indivíduos naturalmente mais resistentes foram naturalmente selecionados (ou seja, sobreviveram), enquanto os menos resistentes foram naturalmente eliminados (morreram). A mudança de dieta, com a domesticação de plantas e animais, também impôs adaptações ao metabolismo de carboidratos, fibras e ao consumo de leite na vida adulta (tolerância à lactose). PISTAS GENÉTICAS O estudo foi feito com base na análise do DNA de 270 indivíduos de quatro populações: chineses, japoneses, africanos e europeus. A equipe analisou 3,9 milhões de SNPs ("snips"): mutações pontuais, de uma única letra, que diferenciam uma pessoa da outra. Cada ser humano tem milhares de snips no seu genoma. Eles ocorrem naturalmente e aleatoriamente, a partir de pequenos "erros" na duplicação dos cromossomos, quando uma célula se divide. A grande maioria é inócua: não tem efeito nenhum e acaba, simplesmente, desaparecendo. Algumas, porém, podem ser benéficas - conferindo, por exemplo, resistência a doenças. Nesse caso, são preservadas e acabam se perpetuando na população. A seleção natural age sobre essas mutações aleatórias, "selecionando" aquelas que dão aos portadores uma chance maior de sobreviver e se reproduzir no ambiente em que vivem. O que os cientistas fizeram foi calcular a freqüência e a idade dessas mutações. Concluíram que 7% dos genes humanos passaram (ou estão passando) por evoluções recentes (alteração e seleção). "Quanto maior a população, maior a diversidade genética. E, quanto maior a variabilidade, maior o número de opções para a seleção agir", explica a geneticista Maria Cátira Bortolini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. "É uma coisa óbvia, mas que ninguém havia demonstrado em seres humanos." Os cientistas não sabem dizer como a evolução está agindo no presente ou como ela transformará a espécie humana no futuro. "Não sei, e não acho que alguém saiba", diz o co-autor Gregory Cochran, também da Universidade de Utah. "Hoje as raças estão se misturando novamente, mas quem pode prever o futuro?" Com o avanço da medicina e da qualidade de vida, a tendência é que pressões ambientais se tornem menos influentes. Mas isso varia com as condições ambientais e econômicas de cada população. "Enquanto pessoas com certas características tiverem mais filhos do que outras, haverá seleção", afirma Cochran. O especialista Sergio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais, duvida dos resultados. "Não acho que haja tanta seleção e não vejo como eles poderiam provar isso", disse.

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