O caso da paciente Eluana Englaro, de 38 anos e em coma desde 1992, colocou em lados opostos as duas maiores autoridades da Itália. Por considerá-lo inconstitucional, o presidente Giorgio Napolitano se recusou ontem a ratificar um decreto-lei que tenta impedir que a mulher, aos poucos, deixe de receber nutrição, como autorizado pela Suprema Corte do país após petição de sua família. O decreto foi aprovado ontem com urgência pelo governo do primeiro-ministro Silvio Berlusconi. Após o anúncio de Napolitano que ele se recusaria a assinar o documento, para que tenha validade, Berlusconi se antecipou e elaborou um projeto de lei com o mesmo texto para enviar ao Senado. A medida era uma das contempladas pelo primeiro-ministro caso Napolitano não assinasse mesmo o decreto. Eluana está em uma clínica em Udine e a redução inicial de sua alimentação e hidratação artificiais em 50% também começou ontem. Napolitano havia enviado a Berlusconi, pela manhã, uma carta na qual comunicava sua oposição ao decreto-lei, mas mesmo assim Berlusconi o desafiou e seguiu com a aprovação do mesmo, que, sem a assinatura do presidente, não tem validade. Segundo o artigo 87 da Constituição italiana, o decreto-lei tem de ser assinado pelo presidente da República e publicado no Diário Oficial. Após elaborar o projeto de lei, Berlusconi disse crer em uma resposta do Parlamento "em pouquíssimo tempo". Antes da negativa do presidente em ratificar o decreto, o premiê havia dito que se dirigiria "ao povo para pedir a ele a mudança da Constituição" por meio de um plebiscito. "Ou assina o presidente da República ou mudaremos os decretos de urgência previstos na Constituição." Berlusconi também havia afirmado que a ratificação do decreto era urgente porque "Eluana seria a única vítima de uma situação que não se repetiria mais, porque depois da lei todos os cidadãos teriam a segurança de não poder tirar-lhes nem a água nem a comida durante o estado vegetativo." O chefe de governo da Itália ainda disse que o decreto-lei chega para evitar uma "omissão de socorro" a uma pessoa cuja vida corre perigo. E também afirmou que o estado vegetativo da mulher, causado por um acidente de carro, seria reversível: "Hipoteticamente, Eluana poderia inclusive ter um filho." Após essas declarações, o líder do Partido Democrata, Walter Veltroni, afirmou que Berlusconi quer criar um incidente institucional na Itália. O vice-presidente do Senado, Emma Bonino, classificou como "fanfarronice" o fato de o governo ter aprovado o decreto mesmo sabendo da oposição do chefe de Estado. Representando a Igreja Católica, contrária à eutanásia, o cardeal Renato Martino, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, disse estar "desiludido" com a decisão do presidente. NUTRIÇÃO REDUZIDA Enquanto o país acompanhava a queda-de-braço entre Berlusconi e Napolitano, os médicos que atendem Eluana reduziram em 50% a alimentação e a hidratação artificial que a mantêm. Para isso, a equipe médica elaborou um rígido protocolo, cuja aplicação começou três dias depois da internação de Eluana na clínica La Quiete. Após o anúncio de que Napolitano não assinaria o decreto, o advogado da família Englaro, Vittorio Angiolini, assegurou que o processo de redução da alimentação de Eluana seguirá. O pai de Eluana, Giuseppe Englaro, disse que estava "transtornado" pelo que estava acontecendo, que tudo era "uma tormenta sem fim" e que preferia continuar em silêncio, uma postura que quis manter ao longo dos últimos meses, apesar de todo o circo midiático gerado pelo caso. Por sua vez, o ministro da Saúde, Maurizio Sacconi, anunciou que enviou inspetores à La Quiete "para fazer algumas perguntas que ficaram sem resposta" pela clínica. Sacconi já pediu à região de Friuli Venezia Giulia, à qual pertence Udine, que estude "a idoneidade" do centro escolhido, depois de ter proibido em dezembro as clínicas públicas do país de realizar eutanásia.