Estudos colocam em dúvida análise genética pessoal

Cientistas debatem utilidade da comparação de genes para identificar risco de doenças

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Por Nicholas Wade
Atualização:

A era da medicina genômica pessoal talvez tenha de esperar. A análise genética das doenças está se revelando mais complexa do que se imaginava. Desde que o genoma humano foi decodificado, em 2003, pesquisadores criaram método de comparação dos genomas de pacientes e de pessoas sadias, com a esperança de detectar as mudanças do DNA responsáveis pelas doenças comuns. O método, chamado estudo de associação do genoma total, mostrou-se tecnicamente bem-sucedido. Mas decepcionou porque mostrou que o tipo de variação que ele detecta explica pouco a respeito das vinculações com a maioria das doenças. A edição da última semana da revista The New England Journal of Medicine traz a primeira tentativa pública de cientistas de explicar este resultado. Uma das questões é saber se valerá a pena continuar estudando o genoma total ou mudar o enfoque, como a decodificação dos genomas totais de cada paciente. O impasse afeta companhias que fornecem informações genômicas pessoais e que supunham informar a respeito do seu risco genético de contrair algumas doenças. Hoje, elas não prestam um serviço útil, disse David B. Goldstein, geneticista da Universidade Duke. "As informações têm relevância clínica mínima, e em muitos casos nenhuma relevância", disse. Ao contrário das doenças raras, provocadas por mudança em um gene, as comuns, como câncer e diabete, são causadas por um conjunto de variações genéticas em cada pessoa. O problema é que se acreditava que elas fossem desencadeadas por variações genéticas. Estudos de associação do genoma total, com milhares de pacientes, mostraram apenas um pequeno risco da doença. A maior parte da vinculação genética com doenças segue inexplicada. Goldstein diz que a carga genética das doenças deve ser atribuída a grandes números de variantes raras. A esquizofrenia, por exemplo, seria causada pela combinação de mil variantes genéticas raras, e não de dez variantes comuns. Se for correto, não será possível criar um medicamento para corrigir isso, como até então se acreditava. Dois outros geneticistas, Peter Kraft e David J. Hunter, da Faculdade de Saúde Pública de Harvard, concordam em boa parte com Goldstein. Mas discordam em relação a uma redução dos estudos de associação do genoma total. "Será preciso descobrir mais variantes comuns", disse Hunter. No entanto, Goldstein disse que está "além do alcance dos estudos" encontrar variantes raras com efeitos reduzidos, mesmo que fossem recrutados números enormes de pacientes. Na sua opinião, se deveria deixar de financiar estes estudos caros que, ele acredita, já cumpriram seu objetivo. "Se perguntarmos qual é a maneira mais rápida para progredirmos na genética, que seja útil do ponto de vista clínico, tenho certeza de que consistiria em investigar genomas totais, e não nas análises das variações comuns". Ele defende a decodificação do DNA total de pacientes selecionados. Kraft e Hunter afirmam que o risco genético de uma pessoa contrair doenças é aproximado. Isto significa que toda estimativa é instável e está sujeita a revisão para cima ou para baixo no futuro. Assim, é toda estimativa de alto risco é muito elevada. O fenômeno é chamado "a maldição do vencedor", por analogia com os leilões nos quais o verdadeiro valor de uma peça é a média de todos os lances; o vencedor fez um lance maior e pagou demais. Kari Stefansson, diretor da deCODE Genetics, empresa que busca genes na Islândia e oferece teste de genoma pessoal, disse que alertou clientes a prestarem atenção nas doenças cujo risco é três vezes maior do que a média, e não nos aumentos irrisórios. Segundo ele, a parcela do risco genético de doenças comuns ainda não descoberta provavelmente não está nas variantes raras, como sugeriu Goldstein, mas em mecanismos biológicos imprevistos.

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