Escola privada deixaria País em 27º

Desempenho isolado de alunos de instituições particulares faria Brasil saltar 22 posições e empatar com Hungria

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Por Roldão Arruda
Atualização:

A classificação do Brasil no ranking do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) teria sido muito melhor - e ficado próxima à de vários países europeus - se tivessem sido considerados apenas os testes aplicados nas escolas privadas brasileiras. É fácil perceber isso. No caso da avaliação em leitura, os estudantes brasileiros obtiveram a média 393, situando-se na 49.ª posição internacional - atrás do México, Chile e Indonésia, entre outros países. Isoladamente, no entanto, os estudantes das escolas privadas obtiveram a média 482 - com uma impressionante variação de quase cem pontos em relação à média nacional. Se fosse considerada apenas o resultado da escola privada, o Brasil teria saltado 22 posições e empatado com a Hungria, no 27.º lugar. Ficaria um pouco abaixo da desenvolvida Noruega, que cravou a média 484, e à frente de Portugal, Itália, Espanha, Grécia e vários outros países europeus. Ocorreu quase a mesma coisa com o teste de matemática, no qual a média nacional foi 370 e a das escolas privadas, 462. Se por um acaso os especialistas da OCDE considerassem apenas as privadas, o Brasil subiria 16 pontos, passando da 54.ª para a 38.ª posição no ranking. A hipótese de considerar apenas os resultados das escolas privadas é absurda e estaria longe de mostrar a realidade do Brasil, no qual 88% dos estabelecimentos de ensino são públicos. Os números revelados pelos testes internacionais servem para mostrar mais uma vez, no entanto, o enorme fosso que separa os dois sistemas. Para a especialista Maria Marta Sigrist, professora de pedagogia e e pesquisadora do Laboratório de Avaliação Loed da Faculdade de Educação da Unicamp, os números não refletem apenas problemas escolares. Apontam também as profundas desigualdades sociais, econômicas e culturais que marcam a sociedade brasileira. "Além de medir o que o aluno aprende na escola, os testes acabam incluindo também a bagagem que ele adquiriu em casa, com a família, no meio social onde vive", diz Ana Marta. "As crianças das classes favorecidas, que sabem o que é teatro e cinema, que ouvem a leitura de livros de histórias, chegam à escola com um universo muito mais bem elaborado que o das crianças das classes menos favorecidas." A grosso modo é como se uma criança chegasse à escola com uma bagagem de 20 pontos e a outra com 10. Mesmo que no decorrer do ano cada uma delas fosse agraciada com mais 10 pontos de conhecimentos, uma terminaria com 30 e a outra com 20. "Essa diferença de capital social e cultural vai se acentuando ao longo dos anos", diz a especialista. Para reverter esse quadro e garantir a superação das diferenças, a escola pública teria que dispor de um aparato educacional mais eficiente que o da escola privada: "A grande tragédia é que ocorre justamente o contrário: a escola pública, que já é ruim, vai piorando a cada ano. No fundo, o teste aplicado pela OCDE veio confirmar aquilo que já estamos cansados de saber e que já foi demonstrado também por testes aplicados aqui no Brasil: nossa educação está muito ruim." O pior, segundo a pesquisadora da Unicamp, é que a situação tende a piorar: "Lamento dizer, mas na próxima etapa do programa de avaliação, daqui a três anos, o Brasil vai aparecer numa situação mais desfavorável. Digo isso porque não está feito nada de efetivo para mudar esse quadro." Ao saber da colocação do Brasil no ranking internacional, o jovem Erick Santos Souza, que cursa o 2º ano do ensino médio na Escola Estadual Professor Jair Toledo Xavier, no bairro da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, atribuiu o resultado ao desinteresse e à falta de empenho dos estudantes. "Acho que os alunos não estão muito interessados. Ninguém liga também para o Saresp (outro teste de rendimento escolar aplicado na escolas de São Paulo), porque não conta nota." Sobre o teste aplicado no Pisa, Erick, que tem 17 anos, diz que foi relativamente fácil: "Tive mais dificuldade com a provada de matemática." Na opinião de Fernanda Liberato, que tem 16 anos e estuda na mesma de Erick, em todas as áreas as perguntas implicavam na interpretação de conceitos: "A prova de ciências trazia questões relacionadas ao nosso dia-a-dia. Acho que o Brasil foi mal por causa da falta de interesse de alunos e professores." SEM COMENTÁRIO O fato de existir uma grande diferença entre os resultados das escolas públicas e privadas do Brasil não significa, no entanto, que estas últimas estejam brilhando no ranking internacional. Quando se compara isoladamente as suas médias com as dos primeiros classificados, percebe-se que também nesse campo há muito que fazer. Um exemplo: a média dos estudantes das escolas privadas brasileiras no teste de ciência foi 482, enquanto a média geral do primeiro colocado, a Finlândia, onde não existem escolas privadas, foi 563. Em Hong Kong os estudantes ficaram com 542. Na comparação internacional, a média que ficou mais próxima da obtida pelos brasileiros das escolas privadas foi a da Rússia, com 479, na 35.ª posição. Em São Paulo, o sindicato que congrega os estabelecimento de ensino particular não quis comentar estes resultados. Segundo o presidente da instituição, José Augusto de Matos, até ontem não tinha sido localizada nenhuma escola do País que tenha participado do teste da OCDE, que não Brasil é coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). "Não posso falar sobre resultados de testes que não foram aplicados em nenhuma escola da rede privada", disse.

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