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Entre a razão e a sensibilidade

Conheça a história de quatro mulheres que, com carreiras consolidadas em áreas formais, resolveram se dedicar à arte

Por Marcelle Souza
Atualização:

Elas se renderam à arte depois dos 40 anos. Trocaram escritórios e salas de aula pelos pincéis com coragem e maturidade. Encararam uma nova carreira com a segurança da experiência - mas, também, com o deslumbramento da juventude. Arriscaram e se descobriram novamente.

 

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Yara Dewachter, de 43 anos, foi publicitária durante mais de uma década. Começou como estagiária em uma produtora de TV e encerrou o período no auge, como diretora de conteúdo. O tempo e o reconhecimento foram perdendo sentido assim que ela começou as primeiras aulas de artes plásticas.

 

No início, um ou dois dias por semana eram dedicados à nova habilidade. Depois, o prazer foi ganhando espaço e Yara viu que era hora de fazer uma nova escolha. "Eu virava noites para entregar trabalhos. Tive que começar a falar muitos ‘nãos’ até que as pessoas perceberam que eu tinha mudado mesmo", afirma ela, que há três anos resolveu se dedicar integralmente à carreira artística.

 

 

Além da produção, Yara se divide entre o Aluga-se, grupo com 15 artistas que articulam exposições coletivas, e o Até Meio Quilo, mostra que percorre o País e tem 92 participantes.

 

A transformação na categoria "profissão" mudou também outros aspectos da vida da nova artista. "Eu tive que estabelecer uma rotina, não tinha mais o cronograma do meu antigo trabalho. É difícil, mas decidi ter tempo para ajudar meu filho no dever de casa, almoçar com ele e levá-lo à escola. Isso é resultado da maturidade. Hoje eu sinto que posso escolher."

 

Professora de história e sociologia, Mary Carmen Matias, de 60 anos, também acredita que a experiência ajudou na hora de decidir que era hora de mudar. Interesse por arte ela sempre teve, mas há três anos, depois começar a frequentar aulas de escultura com o artista Caciporé Torres, trocou o quadro-negro da universidade pelo aço, o mármore e o bronze.

 

 

"Aos poucos, você vai se envolvendo e percebe que está surgindo uma nova carreira, um desafio. Cumpri um papel, me realizei como educadora", afirma Mary. Mesmo com a transformação, a artista não conseguiu se separar do antigo trabalho. "Acho que a minha formação faz com que a minha obra tenha muito do ser humano, das coisas que estudei, dos valores em que eu acredito". Emoções, sensualidade e maternidade são alguns dos temas presentes em seus trabalhos.

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Aos 70 anos, Lucia Laguna foi outra a deixar a sala de aula para se descobrir como artista. A transição, porém, foi um pouco mais fácil, já que a mudança aconteceu logo após a aposentadoria. "Fui professora de língua portuguesa e de literatura até os 54 anos. Aí, para não ficar fazendo tricô em casa, decidi começar aulas de pintura. Escolhi um curso livre, de três meses, e nunca mais parei."

 

E o que era para ser uma distração mudou a vida de Lucia, encerrando de vez um ciclo que tinha começado na juventude. "A pintura veio quando tinha que vir, quando eu tinha maturidade para isso. Eu gostava muito de dar aula, era muito feliz. Mas só quando você termina um período pode procurar outras coisas", conta a fluminense de Campos de Goytacazes (RJ).

 

 

O grande reconhecimento como artista veio em 2006, quando Lucia venceu o Prêmio Marcantonio Vilaça que, a cada edição, concede bolsas de estudo a cinco profissionais selecionados. Desde então, ela já passou por cidades como Amsterdã, Londres, Barcelona, Madrid e Veneza em nome do seu trabalho. Duas de suas obras estarão nos próximos meses em uma exposição na Bélgica.

 

Vírus da arte. Para o professor de artes plásticas da Escola Panamericana Igres Speltri, a mudança é comum e acontece assim que o aluno descobre que não precisa ter habilidade para desenhar, mas conteúdo e criatividade para retratar o mundo visível. "Quando o iniciante descobre o potencial de expressão livre, sem críticas ou julgamentos, sente uma liberdade tão grande que assume literalmente essa prática. Ela passa, assim, a ser sua atividade principal."

 

Segundo o professor, este é o momento em que o "vírus da arte" contamina o aluno. Nessa etapa, pouco importa a idade, desde que ele esteja atento aos símbolos contemporâneos. "Ninguém quer um médico, advogado ou engenheiro que trabalhe com conceitos de 200 anos atrás. O mesmo acontece com o artista plástico."

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A chilena Maria Luisa Editore, de 58, foi infectada pelo vírus há oito anos, assim que se mudou de Guaxupé (MG) para São Paulo. O movimento e as conexões da nova cidade impactaram a ex-professora de espanhol de tal forma que ela começou a pintar. Formada em desenho industrial no Chile, Maria Luisa deu aulas e também teve uma confecção no interior de Minas Gerais, onde morou durante 24 anos. Hoje, dedica seu tempo a exercitar o olhar contemporâneo sobre a cidade que a impressiona. Seus quadros, com várias camadas de tinta óleo, buscam retratar os mapeamentos e as linhas visíveis e invisíveis da metrópole.

 

Jovem na carreira, ela afirma que só vê vantagens em ter mudado de profissão aos 50. "Eu nunca estive tão feliz, porque faço uma coisa que me dá muito prazer. Continuo sonhando, como quando tinha 20 anos. Mas agora é um sonho real."

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