Efeitos especiais

Chocar, seduzir, emocionar, agredir, provocar risos ou lágrimas. Do drama à comédia, figurinos e maquiagem dão asas aos atores e encantam o público

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Por Vera Fiori
Atualização:

A Megera Domada, um dos muitos trabalhos impecáveis de Westerley Dornellas

 

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O maquiador Dicko Lorenzo chega ao camarim para preparar a pele de Edson Celulari. Segue-se a hora do suplício para o ator: receber os imensos e incômodos cílios postiços. A cereja do bolo é a peruca loira com luzes, um coque trançado com laquê, ícone dos 60. O ator pede licença para se trocar. Quem volta para a sessão de fotos é Edna (a personagem da peça), impondo-se totalmente sobre Edson.

 

O carioca Marcelo Pies é quem assina os 350 figurinos do musical Hair Spray, em cartaz no Teatro Bradesco e estrelado por Edson Celulari. O figurinista é indicado pela quinta vez ao Prêmio Shell pelo trabalho em outra peça, O Despertar da Primavera, também em cartaz na cidade. Como os demais colegas de profissão, é autodidata (começou nos anos 1980, incentivado por Emília Duncan) e circula com desenvoltura por todos os gêneros.

 

"Os musicais têm beleza, graciosidade, colorido, movimento, ritmo. Os elementos em cena permitem exageros", opina o figurinista Marcelo. É o caso de um modelito vermelho com imensas rosas aplicadas e do vestido rosa com um imenso laço no bumbum, que parece ganhar vida com os rebolados da personagem Edna Turnblad.

 

Do riso ao drama, Marcelo foi bastante elogiado por seu trabalho em Hamlet (ganhador do segundo Prêmio Contigo! de Teatro), com o ator Wagner Moura no papel principal, onde mesclou referências de época e contemporâneas (como o uso de zíperes). Um detalhe curioso é que os atores usavam peças sobrepostas, trocadas em cena, e uma roupa neutra propositalmente visível por baixo do traje principal, atendendo a uma especificação do diretor Aderbal Freire Filho, num jogo de vestir e desnudar ator e personagem. "Em um momento, era Wagner em cena, em outro, Hamlet."

 

Perfeccionista, Marcelo conta que os belos vestidos vermelhos da peça foram tingidos até obter o tom desejado, e a armadura de metal foi feita sob encomenda numa fábrica de espadas. O figurinista inspira-se em várias fontes, inclusive na moda: "Acompanho todos os desfiles e, particularmente, gosto das criações teatrais de Alexander McQueen e de John Galliano para a Dior."

 

Luxo em cena. Também em cartaz em São Paulo, o musical O Rei e Eu, do diretor Jorge Tackla, é uma adaptação grandiosa do clássico do cinema com os atores Yul Brynner e Deborah Kerr. Para narrar a história do rei do Sião, atual Tailândia, o elenco conta com 60 atores, que usam 500 figurinos orientais e ocidentais, assinados pelo experiente Fábio Namatame. "A trama situa-se em 1862, no Sião, região bastante abrangente na época, mas com raros registros. Com o aval do diretor, criei um Sião imaginário, porém atento às formas dos figurinos antigos. A riqueza vem dos tecidos com textura, brilho e cores únicas, importados da Tailândia, Índia e China."

 

O figurinista gosta tanto do que faz que nem chama de trabalho. "É um processo coletivo, onde todos pensam em como conceber a peça. Nesse exercício de criação, figurino e maquiagem colaboram para um melhor entendimento. Não são complementos, mas peças fundamentais para contar a história", fala Fábio.

 

Com mais de 150 peças no currículo, Fábio Namatame começou a carreira na área têxtil, mas logo passou a atuar no teatro e cinema como cenógrafo, figurinista e visagista. "Trabalhei com quase todos os diretores, dos mais conceituados aos alternativos. Drama, musicais, comédia, gosto dessa mistura, me refresca", afirma.

 

Na área de visagismo, causou impacto a maquiagem dos atores "cadavéricos", na peça O Livro de Jó. Mas um dos trabalhos de que mais gostou foi em uma peça encenada em Aracaju, com o grupo Imbuaça, que desenvolve pesquisa teatral baseada na literatura de cordel. "Utilizando os bonecos do mestre Vitalino como referência, cobri os atores com barro e argila, que iam se desfazendo conforme caía a chuva em cena."

 

O premiadíssimo maquiador Duda Molinos foi parceiro de Fabio Namatame na caracterização dos personagens de O Rei e Eu, em cartaz. Esta foi sua segunda experiência no teatro. A primeira foi na peça Mademoiselle Chanel, com Marília Pêra. Embora tenha consultado livros, documentários, filmes e trechos de montagens da peça, Duda não se prendeu à época. "O diretor queria algo desvinculado da realidade, com apelo de uma fábula e muito apuro estético", revela o maquiador.

 

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Foi um desafio e tanto, conta. "Durante os ensaios, nas cenas de entardecer, a luz apagava os meios tons, os terrosos e os marrons. Simplesmente os efeitos de maquiagem desapareciam. Tivemos de refazer os traços, entre muitos erros e acertos. Por fim, chegamos à conclusão de que só três cores funcionavam em cena: vermelho, preto e branco, usados com maior ou menor intensidade, de acordo com a hierarquia e história dos personagens."

 

Ilusionista. Com 25 anos de profissão, o visagista Westerley Dornellas saiu de Belo Horizonte aos 18 anos rumo a São Paulo com dois books debaixo do braço: um de ator e outro de maquiador. Sua estreia foi em 1985, no filme A Dança dos Bonecos, com o ator Wilson Grey, que considera um mestre. Não parou mais e acumulou prêmios. O mais recente foi o Conexão Beauty Art, pela maquiagem da peça A Megera Domada, dirigida por Cacá Rosset.

 

Na TV, atuou nas novelas Renascer, O Rei do Gado e Éramos Seis, mas não gostou da experiência. "TV é um egosistema e quem dita as regras para o maquiador é o figurinista. Não há liberdade de criação como no teatro, onde todos opinam e trazem ideias, enriquecendo a composição do personagem."

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A sua agência Camarim Brasil - composta por maquiadores, cabeleireiros, a conceituada peruqueira Emi Sato e especialistas em body paiting - atende companhias de ópera, teatro e agências de publicidade. "Os comerciais dão o suporte financeiro. Um filme publicitário que pede caracterização elaborada pode envolver quantias entre R$ 20 e 30 mil, contando a equipe e material."

 

Mas é no teatro que Westerley deixa seu RG . O currículo é imenso, alguns bons exemplos são a peça O Retrato de Dorian Gray, a ópera eletrônica O Guarani (com maquiagem de efeito fluorescente, inspirada na cantora Bjork), a comédia gótica Frankensteins, Tarsila e A Megera Domada.

 

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Destaca a caracterização que criou para atriz Beth Goulart, que interpreta várias personagens no monólogo Simplesmente Eu - Clarice Lispector. "Anulei o rosto da atriz, trabalhei as sobrancelhas, e o semblante ficou entre Clarice e Cacilda Becker." A caracterização, acrescenta Westerley, é um grande desafio, em que técnica e sutilezas andam juntas.

 

A grande dama. Kalma Murtinho, 89 anos, perdeu a conta do número de peças das quais participou. Com certeza, mais de 200. Vestiu elencos inteiros de novelas e, o que poucos sabem, também todos os integrantes da Mangueira em 1958. Começou nos anos 1950, como atriz, ao lado de Maria Clara Machado, criadora do Teatro Tablado. Na época, as funções dos profissionais que atuavam no teatro não eram definidas e, assim, desenhava também roupas de cena, chamando a atenção de Gianni Ratto.

 

"Em 1957, ele foi assistir a uma peça, ficou encantado com os figurinos e me convidou para trabalhar no TBC. Fiz os figurinos de Nossa Vida com Papai, quando recebi o Prêmio Padre Ventura do Círculo dos Críticos Independentes", conta. Trabalhou com grandes diretores, como Augusto Boal, Bibi Ferreira, Antonio Abujamra, Flávio Rangel.

 

Recentemente, Kalma assinou o figurino da comédia musical Gloriosa (2009), com Marilia Pêra no papel principal, o que lhe rendeu elogios da crítica e o terceiro Prêmio Contigo! de Teatro. "A peça é sobre uma personagem muito interessante, Florence Foster Jenkins,que estreou em cena vestida de anjo.Marília Pêra veste com elegância as roupas de estilo kitsch dessa excêntrica milionária", fala Kalma.

 

Hoje, nem sempre gosta do que vê em cena. "Vejo muita coisa alucinada feita por jovens, boa parte das vezes fora de proporção." Define seu trabalho em uma só palavra: paixão.

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METAMORFOSE

 

No camarim do teatro, usando robe estampado, meias de seda, havaianas e touca, o ator Edson Celulari faz a barba enquanto fala ao Feminino. Ao redor, próteses mamárias, enchimentos, sapatos boneca 44, colares e vestidos manequim 54. Pela primeira vez na carreira, ele interpreta uma mulher e passa com louvor pela prova de fogo. Grisalho, alto, magro, viril, Edson vira Edna, uma gordinha de 150 quilos no musical Hair Spray.

 

"Edna Turnblad é uma dona de casa comum dos anos 60, uma autêntica mama que passa longe daquela coisa de travesti, de se transformar na ‘poderosa’", fala, cômico, estalando os dedos para imitar os trejeitos.

 

O ator conta como compôs a personagem feminina. "Para fazer aquela dona de casa sofrida no início da trama, fui pegando referências de mulheres, como a bem resolvida, a mal resolvida, a vaidosa, a relaxada, aquela tia da família, até formar um mosaico e entrar em sintonia com o papel."

 

Diz que seria fácil carregar na maquiagem, mas o efeito ficaria estereotipado. E cita um comentário de Bibi Ferreira que o deixou lisonjeado: "Você, por traz da prótese, nos revelou novos detalhes do feminino." Durante a maquiagem, comenta: "É incrível como vocês, mulheres, têm recursos de sedução, como base, corretivo, batons... E nós, de cara limpa."

 

Apesar das dores que sente nos ombros por causa das imensas próteses, e do desconforto causado pelo salto alto, encara pacientemente as 10 horas de palco nos fins de semana, quando há duas sessões. Antes de vestir os figurinos assinados por Marcelo Pies, usa por baixo uma espécie de body, feito de espuma, látex e silicone, criação da cenógrafa Clívia Cohen. "Foram várias tentativas, porque o Falabella (diretor da peça) queria bunda e peitos balançando em cena", conta Edson.

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