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''É feito um bicho louco'', diz mãe

Ela enfrenta há anos doença do filho

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Por Redação
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"Olha, mãe, tá vendo? Ali! O bicho! São muitos! Cuidado", sussurra Cássio, encolhido num canto do quarto, os braços segurando os joelhos junto ao queixo. "Na sua cabeça, cabeça", aflige-se, esticando os braços com dificuldade para tocar o cabelo da mãe. No teto, via "muitos olhos". "Estão me vigiando. Mas, quando a senhora olha, eles desaparecem." Em dez anos de busca por tratamento para o caçula de quatro filhos, Conceição Paganele não perdeu apenas noites de sono ao lado do filho, enquanto ele vivia alucinações. Perdeu duas casas para traficantes "com tudo dentro", dinheiro em dívidas com clínicas e a dignidade. Sob a mira de um fuzil, negociou a vida do filho com chefe do tráfico, comprou policiais corruptos por segurança e, quando já não tinha nada, dopou o filho por uma semana. Achava que, dormindo, ele não teria crises de abstinência. "Se você visse. É feito um bicho louco." Nos prontuários da Fundação Casa, por onde Cássio passou três vezes, consta F-10/F-19 (transtornos mentais causados pelo uso de substância psicoativa, na Classificação Internacional de Doenças). Na primeira internação, em 1998, foi avaliado como "caso de saúde e não segurança pública". Tinha transtorno psicótico, depressão, sensação de medo, paranoia. O Estado não tinha clínicas para tratamento. As particulares, mais de 20, não aceitavam infrator. Só a casa de pastores, em Arujá, o recebeu. Mas, era aberta e ele fugiu. "Nada adiantava. Ele precisava ficar internado até curar." Não curou. Foi preso e seguiu drogado - a cocaína da cadeia era cobrada de Conceição. Solto no ano passado, resistiu dois meses. Trabalhou, mas o salário foi logo consumido pelo vício. Vendeu tudo dos irmãos. Há quatro meses, viciado em crack, voltou a ser preso. Com a ajuda da Defensoria Pública, Conceição diz que vai entrar com uma ação civil para obrigar o Estado a dar tratamento psiquiátrico adequado para o filho na cadeia. "Até hoje não sei se foi a droga que fez isso com ele ou se a doença o levou às drogas", diz Conceição. Aos 11 anos, Cássio avançou em uma tia que ele acredita que o perseguia. O pai, alcoólatra, só descobriu-se esquizofrênico à beira da morte, graças ao médico para quem Conceição trabalhava como doméstica. Ela diz que psiquiatra "não faz parte do cardápio do pobre." E define a doença do filho: extremos de tranquilidade alternados à extrema maldade. "Tem um sofrimento psíquico muito grande dentro dele."

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