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E aí, a culpa é do remédio?

Especialista em cleptomania diz que a justificativa é improvável, mas não impossível

Por Agencia Estado
Atualização:

É tudo culpa do remedinho para dormir. Será? Essa tem sido a justificativa-padrão de figuras públicas para explicar o envolvimento em constrangedores flagrantes de furto. Parece até uma epidemia: em apenas dois meses, dois brasileiros protagonizaram casos quase pitorescos, com estranhos objetos de desejo - das gravatas do rabino Henry Sobel, na semana passada, aos vasos de cemitério do estilista Ronaldo Ésper, no fim de janeiro. Em 2005, a novela América (por meio da personagem Haydée, de Christiane Torloni) mostrou que roubar objetos banais para sentir prazer é uma patologia séria e não um simples desvio de caráter, como muitos poderiam supor. Com amplos registros nos manuais de psiquiatria, o distúrbio é classificado pelos médicos como elemento do grupo dos Transtornos de Controle dos Impulsos, categoria que inclui ainda o jogo patológico (comportamento pendente com relação a apostas e jogos de azar), a tricotilomania (ato de arrancar os próprios cabelos de modo recorrente) e piromania (hábito de incendiar objetos e lugares por alívio de tensão). A psicóloga Nancy Erlach destaca que a falta de premeditação do furto é que diferencia o cleptomaníaco de um criminoso ordinário. ´Sabe aquela vontade que você sente de comer um doce? O cleptomaníaco sente o mesmo tipo de desejo pelo ato de roubar´, explica a profissional. A psiquiatria relaciona o gosto por atos perigosos (como o furto) com o impulso sexual. Isso explica a fissura por itens pontudos (como talheres e canetas, que assumem o papel de símbolos fálicos por lembrarem os órgãos sexuais masculinos), sensuais (sobretudo lingerie) ou brilhantes. Uma vez que a cleptomania se refere a objetos banais, cujo furto não é motivado pelo valor do item em questão, mas, sim, pela sensação que a apropriação do objeto traz para o praticante, muitos profissionais de saúde mental questionaram a plena sanidade de Sobel com base nas peças escolhidas por ele: quatro gravatas das grifes Louis Vuitton, Giorgio´s, Gucci e Giorgio Armani que, juntas, somam U$ 680. ´O valor dessas gravatas é caro para quem? Certamente, o preço é elevado para o brasileiro médio, mas não para Henry Sobel. Este foi um grave erro cometido pela imprensa ao abordar o tema´, argumenta o psiquiatra Hermano Tavares, coordenador do Ambulatório dos Transtornos de Impulso do Instituto de Psiquiatria da USP. ´Vi profissionais de saúde falando barbaridades. Se vamos seguir esse raciocínio, então estaremos dizendo que, em todo furto, o rico é cleptomaníaco e o pobre é safado? Não é só o valor do objeto que determina se a pessoa está doente´, completa. Para Tavares, é preciso analisar as motivações do furto. ´O que Sobel faria com quatro gravatas? Ele as roubou para usar no mesmo dia? Está claro que não houve ganho primário neste caso. Não é o valor da coisa que determina a cleptomania, mas sim a utilidade para quem está furtando´, diz o especialista. Tavares não arrisca um diagnóstico preciso para Sobel por desconhecer o tipo exato de medicação ingerida por ele - drogas estas que teriam, supostamente, desencadeado o ataque às gravatas -, mas lança hipóteses. ´Muitos pacientes preferem a condenação da Justiça a admitir que perderam o controle. É preciso considerar ainda a influência dos medicamentos benzodiazepínicos. É improvável, mas não impossível, que provoquem um rebaixamento do nível de consciência.´ A expressão clínica ´rebaixamento de consciência´ pode ser entendida como considerável queda do nível de atenção da pessoa. ´Em uma situação como essa, o indivíduo vê um objeto que a interessa e se apodera dele sem considerar as diversas implicações, como ter de pagar por aquilo´, explica Tavares. Apesar do complicado nome científico, benzodiazepínicos são muito populares no mercado farmacêutico. Usados para tratar até insônia, são antidepressivos e ansiolíticos que estão à venda sob nomes como Lexotan, Diazepan e Lorax. ´Em doses baixas, ajudam a conter a ansiedade, em doses moderadas agem como sedativos e em dosagem elevadas funcionam como hipnóticos´, diz Tavares. Vale lembrar que Sobel e Ésper disseram estar sob efeito justamente de antidepressivos durante os furtos.

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