Doutores com o pé na estrada

Veja histórias de brasileiros que vitaminam carreiras com bolsas de doutorado e pós-doutorado no exterior

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Por Ana Bizzotto e Carolina Stanisci
Atualização:

Fazer um doutorado fora do País exige sacrifícios, mas ainda é o sonho de muitos brasileiros. Temperaturas abaixo de zero, diferenças culturais e pouco dinheiro no bolso são apenas alguns dos desafios de quem escolhe trilhar esse caminho, seja com bolsa de estudo ou por conta própria. Sem pensar nessas dificuldades, 3.920 pesquisadores viraram o ano de 2008 no exterior com bolsa de doutorado e pós-doutorado das principais agências de fomento à pesquisa do País, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A maioria está na faixa dos 30 anos e quer aperfeiçoar o currículo para, ao voltar, contribuir para melhorar sua área, ascender na universidade ou no mercado. Fora dessas estatísticas estão aqueles que chegam ao exterior sem o auxílio de agências e fundações. Eles procuram diretamente universidades estrangeiras, algumas com programas especiais para latino-americanos.Veja ao lado histórias de alguns dos nossos futuros doutores que estão lá fora. Maria Vibranovski Chicago, EUA "Sempre quis conhecer a evolução dos cromossomos sexuais X e Y." A curiosidade levou a bióloga Maria D. Vibranovski, de 31 anos, a trocar o Rio pelo inverno rigoroso de Chicago. "O frio vai de outubro a maio. Já peguei 30 graus negativos. "Formada pela UFRJ, mestre pela mesma universidade e doutora em Bioquímica pela USP, ela chegou ao campus da Universidade de Chicago em 2006. A bolsa do CNPq, de pós-doutorado, tinha validade de um ano. Maria percebeu que seria pouco tempo para tocar seus experimentos no Departamento de Ecologia e Evolução. Negociou com o CNPq para manter o auxílio por seis meses, porque já havia conseguido a Latin American Fellows Program in the Biomedical Sciences, bolsa de pós-doutorado da megafundação Pew. Além de US$ 30 mil anuais, Maria terá verba para montar seu laboratório no Brasil. E não era possível fazer essa pesquisa no País? "A ciência nos EUA é mais competitiva, porque existem mais centros de pesquisa. A UFRJ tinha dois laboratórios de evolução. Aqui, são 15."3 Clarice Aiello Cambridge, EUA Seu campo de estudo está na minúscula escala dos átomos. O objetivo é demonstrar que esses sistemas delicados podem processar mais informação que um computador clássico. A paixão pelo assunto começou anos antes, quando um professor de Engenharia Elétrica da USP deu a Clarice Aiello, hoje com 26 anos, Lições de Física de Feynman, série de palestras de Richard Feynman, um dos maiores físicos americanos do século 20. "Foi meu primeiro contato com a física quântica". Clarice, que já se destacava em física na turma, fez um estágio na École Polytechnique, Paris, em 2001. Formada em Física na França, vitaminou a carreira internacional de 2005 a 2007 com bolsas nas Universidade de Cambridge, Inglaterra, e de Innsbruck, Áustria. Desde 2007, ela está no Massachusetts Institute of Technology (MIT), na cidade de Cambridge, EUA, com bolsa da Comissão Fulbright. "Aqui foi o país onde fui mais bem acolhida cientificamente." Pedro Guimarães Paris, França O mineiro Pedro Maciel Guimarães, de 34, faz doutorado em cinema em Paris. Tem bolsa da Capes para estudar a obra do cineasta português Manoel de Oliveira. Pode parecer um sonho para muitos. Só que ele está louco para voltar. "Não aguento mais morar aqui." Formado em Jornalismo pela PUC-MG em 1998, Guimarães não imaginava a dureza que seria viver na França. Em 2000, começou a graduação em cinema na Paris 3, na Sorbonne Nouvelle. Como não tinha bolsa, teve de se virar para pagar as contas. "Cheguei a dar aula de matemática, matéria que eu detestava na escola." E trabalhou até como atendente de telemarketing. Ligava de madrugada para o Brasil para fazer pesquisas de opinião para uma montadora francesa. Os bicos prosseguiram durante o mestrado, concluído em 2005 na Sorbonne. Só saiu do sufoco quando iniciou o doutorado e ganhou a bolsa de 1.100 mensais. Volta este ano. "Quero contribuir com a formação cultural do País." Graziella Silva Johanesburgo, África do Sul Desde 2004, a socióloga carioca Graziella Moraes Dias da Silva, de 33 anos, tem feito viagens frequentes à África do Sul. Já aprendeu, por exemplo, que o transporte público é precário em Johanesburgo. "Há poucos ônibus nas ruas, só vans. E os brancos quase não usam esse meio de transporte. Geralmente sou a única", conta a bolsista da Graduate School of Arts and Sciences de Harvard, nos EUA. Sua tese de doutorado é uma comparação entre a situação profissional de negros brasileiros e sul-africanos. Graziella chegou a Harvard em 2003, com a carta de recomendação de um professor da Universidade de Columbia. Não foi sua primeira experiência internacional. Em 2000, um curso de poucos meses em Columbia despertou nela o interesse de estudar mais tempo nos EUA. "As universidades são organizadas e é importante ser participativo na aula." Graziella defenderá sua tese em Harvard em 2010. André Reis Tóquio, Japão André Rodrigues dos Reis, de 26 anos, não tem nenhuma ligação familiar com o Japão. Apesar disso, é apaixonado pela cultura nipônica e queria estudar japonês "desde criança". Aos 14 anos, driblou a resistência dos pais e decidiu que já era hora de se matricular num curso do idioma. O desejo de conhecer o Japão o estimulou a tentar nove vezes a bolsa Mext, oferecida pelo governo do país a estudantes estrangeiros de graduação e pós.Na décima tentativa, após concluir a graduação em Agronomia na Unesp e o mestrado na USP, conseguiu bolsa de doutorado em Engenharia Ambiental com ênfase em Ecotoxicologia, na Universidade Waseda, em Tóquio, onde está há dois anos. "Se tivesse de fazer tudo de novo, faria."Além da saudade da família, Reis menciona a "mudança drástica de cultura" como uma dificuldade. "Aqui não há liberdade para discutir o projeto com o orientador. Meu laboratório é muito rígido, tenho que ser o primeiro a chegar e o último a sair. Vivi momentos de depressão, mas, com o tempo, aceitei as diferenças." Janaína Ávila Camberra, Austrália Ela gostava de olhar o céu pelo telescópio de um amigo. Anos mais tarde, Janaína Nunes Ávila, de 31 anos, chegou mais perto das estrelas: pesquisa a poeira cósmica encontrada nos meteoritos. "Estudamos um mineral coberto de silício." Desde 2004, ela vive em Camberra, Austrália, onde faz doutorado na Research School of Earth and Sciences, da Australian National University. Lá, a bolsista do CNPq percebeu que poderia somar os conhecimentos de geóloga ao interesse pelo cosmos. Mas estudar do outro lado do planeta não estava em seus planos. Formada em Geologia e mestre na área de Geociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a brasileira só pretendia acompanhar o marido - geólogo, era ele o bolsista do casal. Ao encontrar o departamento de seus sonhos, Janaína começou em 2006 a pesquisa sobre poeira cósmica, cuja meta é determinar "a idade de corpos estelares". Sua maior dificuldade inicial foi com a língua. "Não falava nada de inglês." Sem dinheiro para fazer aulas, teve de improvisar para aprender: "Via seriados na TV o dia todo". O doutorado será concluído em 2010, e ela quer continuar as pesquisas no Brasil. "Vou levar minhas amostras."

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