DNA é usado para tratamento de pacientes com problema cardíaco

1.º estudo clínico com terapia gênica no País busca recuperar áreas do coração com circulação comprometida

PUBLICIDADE

Por Herton Escobar
Atualização:

Está em curso no Rio Grande do Sul o primeiro teste clínico com terapia gênica do Brasil. Oito pacientes cardíacos receberam injeções de um vetor genético "programado" para estimular a revascularização de áreas com circulação comprometida (isquêmicas) do coração. Cada vetor - um anel de DNA chamado plasmídeo - contém a cópia de um gene humano responsável pela síntese da proteína VEGF (fator de crescimento endotelial vascular), que comanda a formação de vasos sanguíneos. A expectativa é de que a terapia melhore as funções cardíacas dos pacientes, induzindo a revascularização de áreas do músculo afetadas pelo déficit de irrigação. Os resultados são ainda muito preliminares, mas já suficientes para deixar o comerciante Nelson Khalil animado. "Tenho muita esperança de que o tratamento vai funcionar", afirma Khalil, de 50 anos, que foi o primeiro a receber a injeção do plasmídeo, em 17 de março. "Não sei até que ponto isso é psicológico, mas já estou me sentindo muito melhor." Exames de imagem (cintilografia) realizados 30 dias após a cirurgia mostraram que houve, de fato, uma leve melhora na irrigação do miocárdio dos três primeiros pacientes injetados com o gene. "Antes, eu aguentava caminhar quatro ou cinco quadras, no máximo. Agora, ando até três quilômetros em linha reta", comemora Khalil. Assim como os outros voluntários da pesquisa, ele passou por todos os tratamentos e intervenções cirúrgicas possíveis para um cardíaco. Nos últimos quatro anos, Khalil sofreu dois enfartes, fez uma ponte de safena, outra mamária, cateterismo, angioplastia e tem cinco stents implantados. Já estava com um pé na fila de transplante quando viu um cartaz sobre a pesquisa e se candidatou. A terapia gênica, agora, é sua última esperança de curar o próprio coração. O médico responsável pelo projeto, o cirurgião Renato Kalil (sem parentesco com o paciente), do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul, ressalta que a terapia gênica é experimental, e por isso só pode ser testada em pessoas que esgotaram todas as opções de tratamento. Ao todo, 20 pacientes passarão pelo procedimento, que foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. A injeção dos plasmídeos é feita diretamente no músculo cardíaco, por meio de uma pequena abertura no tórax. Nessa primeira fase, o objetivo é avaliar principalmente a segurança da terapia. Novos exames de cintilografia serão feitos três meses e nove meses após a cirurgia, para avaliar a evolução dos pacientes. "O nível esperado de segurança é muito bom", garante a geneticista Nance Nardi, pesquisadora do Instituto de Cardiologia e da Universidade Luterana do Brasil. A grande vantagem do plasmídeo é que ele não se integra ao genoma, como ocorre com os vetores virais usados em outros experimentos. Em outras palavras, o plasmídeo leva o gene para dentro da célula e permite que ele seja expresso normalmente no núcleo - como se fosse um gene qualquer do paciente -, mas sem inseri-lo no DNA da pessoa de forma permanente (mais informações nesta página). O plasmídeo só "funciona" de duas a quatro semanas no núcleo. Depois, é degradado naturalmente pela célula. "A maior parte dos estudos hoje no mundo é feita com plasmídeos", afirma Nance. Os pesquisadores esperam que essas quatro semanas sejam suficientes para que a produção elevada de VEGF (induzida pelo plasmídeo) seja suficiente para estimular a formação de novos vasos nas áreas comprometidas do coração. PRECAUÇÕES O vetor usado na pesquisa gaúcha foi desenvolvido pelo bioquímico Sang Won Han, diretor do Centro Interdisciplinar de Terapia Gênica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com apoio do Hospital Pró-Cardíaco. "Não queremos que o gene seja integrado porque isso pode causar mutações", explica o cientista. Foi o que aconteceu em um estudo clínico francês realizado na década de 90, com vetores virais, que curou várias crianças portadoras de uma doença genética (imunodeficiência severa combinada), mas deixou três delas com leucemia (câncer do sangue). O problema é que os pesquisadores não têm como controlar em que ponto do genoma o gene será integrado pelo vírus. "O gene entrou no lugar errado e as células perderam o controle", explica Han, sobre o polêmico estudo francês. Em outro caso famoso, o americano Jesse Gelsinger morreu durante um estudo de terapia gênica, em 1999, por causa de uma reação imunológica aos vetores virais. Com o uso do plasmídeo, esse problema desaparece. O único risco, a princípio, é que a terapia não funcione. Segundo Kalil, vários estudos clínicos foram ou estão sendo feitos com terapia gênica à base de VEGF. Porém, sempre em combinação com cirurgias de ponte de safena, o que dificulta a interpretação dos resultados. "Os indicadores são bons, mas é difícil separar os efeitos da terapia dos da cirurgia", explica o médico. "No nosso caso, vamos ver só os efeitos do plasmídeo." O estudo deve ser finalizado em dezembro. O projeto é financiado pelo CNPq e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapergs). HISTÓRIA 1990 foi o ano de início do 1.º ensaio clínico com terapia gênica nos EUA 5 mil pacientes já participaram de estudos com terapia gênica no mundo desde então 20 pacientes vão participar do estudo brasileiro

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.