Disco inédito para saldar dívidas

Michael Jackson deixou álbum em parceria com novos astros da música negra, que pode fazê-lo voltar ao topo

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Por Lauro Lisboa Garcia
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A roda-viva do showbiz sempre foi cruel com os mortos. Não seria diferente com Michael Jackson. Passado o choque, vamos às questões práticas, de ordem financeira. Os filhos têm como herança uma dívida astronômica. O promotor da malfadada série de 50 shows programada para a O2 Arena, em Londres, que seria sua despedida dos palcos, pode amargar um prejuízo de quase 350 milhões de euros. Segundo a revista Billboard, o montante de vendas de ingressos, que se esgotaram rapidamente, foi de US$ 85 milhões. A empresa AEG Live, proprietária da O2 Arena, já teria gasto U$ 30 milhões com a produção do show. Jornalista falam do legado do cantor Por outro lado, um artista morto também vale muito, ainda mais um do porte de MJ. Aproveitando a demanda fúnebre, as gravadoras Universal e Sony vão repor em catálogo seus álbuns-solos no mundo todo, o Brasil incluído. A avidez do público consumidor, a despeito do hábito irreversível dos downloads ilegais, ainda é grande. Em poucas horas depois do anúncio da morte do "rei do pop" seus CDs passaram a ocupar os 15 primeiros lugares de venda no site americano amazon.com, incluindo 3 diferentes versões de Thriller. No site de leilões ebay.com, as novas ofertas por produtos relacionados ao astro cresceram em número espantoso. Os CDs continuam com o preço acessível de mercado, mas uma edição original lacrada do álbum Thriller (1982) em vinil chegava à casa dos US$ 2.500. Um exemplar novo de Off the Wall (1979), também em LP, está em oferta por valor semelhante. O legado de Elvis Presley até hoje rende fortunas aos herdeiros e à indústria fonográfica. Jackson também pode se transformar noutra mina de ouro. Não faltarão versões alternativas e com material extra (como já foi feito em 2007 na comemoração dos 25 anos de Thriller) de seus álbuns originais, além de gravações de shows, sobras de estúdio, etc. Segundo o tablóide britânico The Sun, Jackson pode ter deixado mais de 100 gravações de canções inéditas para seus três filhos, Michael Jackson Jr. (de 12 anos), Paris Katherine (de 11) e Prince Michael (de 7). Segundo o jornal, essas músicas podem vir a ser lançadas para cobrir a imensa dívida financeira deixada pelo cantor. Já o jornal The Guardian menciona um álbum de canções inéditas de MJ em parceria com os mais poderosos astros da música negra da atualidade, que poderia impulsionar as vendas dos últimos CD do cantor. Ainda sem nome, o álbum inclui canções compostas com Akon, Will.I.Am (que figuram nas faixas bônus remixadas da edição de 25 anos de Thriller), e Ne-Yo. Segundo o Guardian, descartados os concertos, o CD deve ser a melhor esperança para os credores de Jackson. "Há um enorme interesse nesse álbum", disse Tony Wadsworth, gerente da British Phonographic Industry. "A velocidade com que se esgotaram os ingressos para os shows e as espantosas reações a sua morte são sinais de que o lançamento de novo material de qualidade de Michael Jackson poderia fazê-lo voltar ao topo das paradas." Como Invincible (2001), o CD inédito demorou anos para ser concluído. A indústria tinha esperança de que Jackson voltasse à boa forma, mas o próprio cantor estava temeroso da reação de seu público e resolveu segurar o lançamento. "É duro quando todos os olhos se voltam para ele e há tanta competição com os jovens lá fora", disse Ne-Yo. "Esse álbum precisa ser melhor do que Thriller." Campeão de vendas, Thriller chegou perto de 105 milhões de exemplares vendidos até hoje no mundo, segundo a gravadora Sony, 50 ou 55 milhões conforme outras fontes, incluindo o livro Guinness dos recordes. Seja lá qual for o número correto, de qualquer maneira é recordista histórico, insuperável. Sua discografia chegou ao patamar de 750 milhões no mundo. No Brasil, os últimos dados de vendas são os seguintes: Off the Wall (1979) - 175.109; Thriller (1982) - 2.211.468; Bad (1987) - 974.826; Dangerous (1991) - 397.181; HIStory (1996) - 132.423; e Invincible (2001) - 64.952. Como comentou David Teather, no Guardian, parece implausível que um artista que tenha vendido tantos milhões de discos estivesse quebrado. Mas especula-se que o cantor tenha morrido deixando uma dívida de US$ 500 milhões. Onde foi parar esse dinheiro todo? Tudo que envolve custos com Jackson gira em altíssima escala. A produção do álbum Invincible, que demorou seis anos para ser concluído, custou em torno de US$ 20 milhões, segundo foi alardeado na época pela Sony. Pela renovação de seu contrato com a gravadora, em 1991, ele recebeu US$ 65 milhões. Seu rancho Neverland, em Santa Barbara, foi um dos primeiros vilões de sua derrocada financeira. Comprado por US$ 14,6 milhões no auge do sucesso, a propriedade foi incrementada com US$ 35 milhões, investidos em uma vinícola, um parque de diversões, teatro e até zoológico, demandando mais de US$ 5 milhões anuais em manutenção. Em 1985, ele comprou da ATV Music os direitos pelas canções dos Beatles por US$ 47,5 milhões. O primeiro grande golpe financeiro sofrido pelo então milionário cantor foi em 1993, quando teve de desembolsar US$ 22 milhões por conta de um processo movido pelos pais do garoto Jordy Chandler, acusando o cantor de abuso sexual. Ao longo dos anos as dívidas se multiplicaram como vírus. Ele morreu devendo fortunas para diversos credores, entre instituições financeiras, produtores - que adiantaram grandes somas por shows e o acusaram de não cumprir compromissos - e até o sheik Abdulla bin Hamad Al Khalifa, que reclama de ter emprestado "milhões de dólares" ao astro para produzir um álbum, um espetáculo musical e uma autobiografia, nenhum dos quais se realizou. Uma reportagem recente sugere que Jackson tenha torrado US$ 1 bilhão nos últimos 20 anos. "Ninguém sabe ao certo no que ele gastou sua fortuna", comenta o repórter do Guardian. Mas ele dá como uma pista uma cena no documentário de Martin Bashir, de 2003, no qual o cantor aparece esbanjando US$ 6 milhões em uma única loja num surto de consumo. O sonho acabou. Com ele.

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