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Descanso sagrado

Cada vez menos as pessoas conseguem reservar um tempinho para o descanso e prazer

Por Vera Fiori
Atualização:

A leseira, a preguiça, a malemolência são estados de espírito atribuídos aos baianos. Culpa de Caymmi. Quando se pensa no assunto, logo vem à cabeça a imagem marota do cantor esparramado numa rede, muito embora digam que ele é mais chegado a uma cadeira de balanço. A preguiça como identidade cultural do povo baiano, para o poeta e antropólogo Antonio Risério, seria um dos muitos mitos cultivados pela propaganda, pelo turismo e por artistas. "Caymmi não é uma regra, é exceção. Trabalha-se muito aqui e prova disso é o Polo Petroquímico, em Camaçari. Outro mito é de que, na Bahia, o sol brilha o ano todo, mas não é bem assim. Temos nove meses de chuva e três meses de sol. A repórter insiste: mas, e a fala mansa e cantada? "Você já viu quantos sotaques tem na Bahia?" O assunto rendeu até uma tese, O Mito da Preguiça Baiana, defendida há quase dez anos na Universidade de São Paulo pela antropóloga Elisete Zanlorenzi. Na ocasião, Gilberto Gil, autor da deliciosa Ladeira da Preguiça, disse à antropóloga que a preguiça é uma especiaria que a Bahia oferece ao Brasil. "A preguiça produz benefícios inimagináveis.... é a água, é o feminino, é o obscuro. Eu sou adepto dessa visão, porque isso é a salvação do mundo." Da Bahia para a Itália, o sociólogo Domenico De Masi é que está certo. Trabalha nove meses por ano e, nos outros três, relaxa numa cidade na Costa Amalfitana, no sul da Itália. Para ele, perfeito mesmo seria inverter esse arranjo, ou seja, passar nove meses lendo, ouvindo música, conversando, e trabalhar os três restantes. Hoje, defende De Masi, os grandes luxos são o tempo, o espaço, o silêncio, a autonomia, a segurança. Segundo ele, o progresso tecnológico e organizacional permite a produção de um maior número de bens e serviços, com menos trabalho humano. Nessa linha, cinco ou seis horas de trabalho seriam suficientes para um executivo, mas o grande problema é que ele não sabe o que fazer com o tempo livre. Trabalhar e desfrutar. Autor de um livro a respeito, Renato Bernhoeft, consultor de empresas e presidente da Bernhoeft Consultoria, que representa o FBCGi - The Family Business Consulting Group International na América Latina, ressalta que não se deve postergar o ócio para a aposentadoria ou pós-emprego. "Minha recomendação enfática para os executivos é a de que o desfrute não é incompatível com o trabalho. O prazer da vida não existe apenas nos fins de semana, feriados, férias ou aposentadoria. O gosto pela liberdade de fazer e desfrutar de algumas opções pessoais pode ocorrer também entre a segunda e sexta de todas as semanas." Direcionar o ócio para atividades lúdicas, comunitárias, esportivas, projetos educacionais e culturais são algumas das alternativas para usufruir do tempo com qualidade. Autor do livro Você, Dona do seu Tempo, Christian Barbosa, especialista em gestão de tempo, coletou, desde 2005, mais de 18 mil testes, 46% feitos por mulheres e 54%, por homens, com idades médias de 33 anos. O resultado é alarmante. A mulher tem maior foco entre as urgências e atividades importantes do que o homem. "Quando surgem problemas em casa, com os filhos, a família, a escola, sobra para quem? Para a mulher! Os homens acabam deixando de lado muitas responsabilidades, o que agrava ainda mais a carga diária feminina." Existe uma verdadeira epidemia de enfartes entre as brasileiras, um quadro bem diferente do de 1970, quando a proporção entre homens e mulheres era de 10 para 1. Christian sugere marcar uma reunião uma vez por semana consigo mesmo. "Vá a um cinema, ao cabeleireiro, a um bom restaurante, faça algo que lhe dê prazer, isso vai ajudar a diminuir o ritmo e reduzir a ansiedade." Relax express "E aí, o que vai acontecer agora?" Com o nível de estresse beirando o desespero, a cliente entrou em uma das cabines do Espaço Soneca e fez a pergunta à queima-roupa para Camilla Faro, proprietária. "Acho que ela pensou que algo de fantástico aconteceria lá dentro, quando expliquei a ela que a nossa idéia era oferecer um local seguro e tranqüilo para relaxar, e que para isto bastam uma música agradável, um pufe, uma poltrona ou uma rede." Os workaholics aplaudiram a idéia. "Uma garota contou que tinha o costume de se trancar por cinco minutos no banheiro do escritório para descansar." Quando voltou de Sacramento, na Califórnia, onde morou por sete anos, a primeira coisa que Camilla observou foi o estresse do paulistano e as queixas sobre a falta de tempo, o que a levou a investir na área de bem-estar. O conceito, diz ela, é semelhante ao de um estacionamento. Só que, ao invés do carro, a pessoa estaciona o corpo e paga pelos minutos que permanecer no local. São três cabines com pufes, redes, poltronas e duas salas de massagem (pedras quentes, com rolinhos de bambu, para gestantes, para idosos e uma massagem com música). Alguns exemplos de preços das cabines: R$ 10,00, até 20 minutos, e R$ 20,00, de 20 a 40 minutos. No caso de usar a poltrona com massageador, há um acrescimento de R$ 15,00. À parte, é possível agendar massagens e acupuntura. O perfil dos freqüentadores varia: de estudantes das faculdades próximas e moradores locais a pessoas que trabalham na região, como o psicólogo Luiz Picazio. Duas vezes por semana, Luiz, que permanece no seu consultório das 10 às 22 horas, aproveita a proximidade para relaxar. "Achei a idéia fantástica. O brasileiro é estressado e não tem o hábito de dar pequenas paradas durante o expediente. Bastam 15, 20 minutos por dia para recarregar as energias", opina. Luiz usa as cabines e, às vezes, faz shiatsu. "Cuido do bem-estar dos outros e, conseqüentemente, preciso cuidar da minha cabeça e do físico." Além do relax express, no meio da semana ele dá uma escapada até uma academia de ginástica da região. Recomenda às pessoas que repensem seu estilo de vida. "Dizer que não há tempo é a maior desculpa do ser humano." Sócio de um restaurante japonês a alguns quarteirões do Espaço Soneca, Wesley Mendes reserva até uma hora por dia para relaxar. Além do restaurante, trabalha das 15 às 20 horas em um escritório de representação comercial e, por causa dessa dupla jornada, preocupa-se com a saúde. "Revezo as cabines com sessões de massagens. Acho que a cidade precisa de mais lugares assim." Quando chega em casa, desfruta de um mimo extra: uma poltrona importada da China, que é o objeto do desejo de qualquer estressado. "Parece que tem três chineses dentro dela executando as massagens", brinca. A poltrona faz vários tipos de massagens - para pescoço e ombros, costas, parte de trás da panturrilha, pés - e vem equipada com pedras de jade, que são aquecidas, e aparelho de MP3, que toca músicas relaxantes. Pelo brinquedinho zen, desembolsou uma boa quantia, mas está convencido de que o investimento valeu cada centavo. Descontração Redes para fazer a sesta após o almoço, pufes coloridos, cadeiras de massagem, aulas de ioga e lanchinhos são algumas das regalias dos funcionários que trabalham no escritório de 1,7 mil metros quadrados do Google em São Paulo, o Googleplex. Segundo Carlos Felix Gimenez, gerente de comunicação do site de buscas, o conceito informal que predomina em todos os escritórios da empresa tem origem nos seus fundadores, dois jovens universitários de Stanford, desprovidos dos vícios do mundo corporativo formal. "Os escritórios têm salas coletivas, o café da manhã e o almoço são gratuitos, há serviço de manicure, enfim, tudo para tornar o ambiente mais agradável e facilitar a vida dos funcionários." No lounge, é possível fazer uma pausa no meio do expediente, seja para relaxar na rede, jogar pebolim ou simplesmente despachar pelo laptop, numa poltrona de massagem. Mas que ninguém pense que é uma farra o tempo todo. "Trabalha-se, e muito, e o ambiente é um estímulo à criatividade." João Carlos Pastore, da área de publicidade, diz que os benefícios vão desde a interação com os colegas à possibilidade de driblar as tensões no próprio ambiente de trabalho. "João é fiel usuário da poltrona que faz massagens", brinca Felix. Já Rachel Mello, da mesma área, fala que, graças à estrutura do escritório, pode usufruir do tempo de uma forma melhor. "O ambiente descontraído estimula a equipe e o humor das pessoas, e acelera a nossa produtividade."

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