Depois das passarelas

Glamourosa, a carreira de modelo pode ser também traiçoeira, quando não se investe em projetos para o futuro

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Por Cristiana Vieira
Atualização:

.Vida de modelo não é nada fácil. Elas perambulam de agência em agência com seu book debaixo do braço; passam por testes intensos diariamente; têm de fazer dieta, evitar o sol e se cuidar, para não ganharem um centímetro que seja de quadril. Mas há também a parte glamourosa: convites para festas vips, roupas de grife, tratamentos de beleza e as oportunidades de viajar pelo mundo. E é nesse ponto que jovens podem se deslumbrar.

 

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"Esse mundo é fantasioso demais, e as modelos entram nele como se tudo fosse verdadeiro", divaga a ex-modelo Sâmia Maluf. Ela foi bebê Johnson’s em 1958. Até os 13 anos (hoje são 51), desfilou para marcas infantis, foi capa de revistas, fez teatro, novela, apresentou programas de TV, mas não gostava nada daquela vida. Mesmo assim, por contingências da vida, retornou à carreira de modelo na vida adulta. Para ela, essa profissão foi "uma baita faculdade". "Lustrei meu ego, mas não deixei a vaidade tomar conta. Sinto-me realizada."

 

A carreira de modelo fashion (a de passarela) é curta, dura cerca de 15 anos. Já os modelos comerciais trabalham por mais tempo. "Claro que, para Gisele Bündchen, que se tornou uma celebridade, o tempo é só um detalhe. Bündchen pode optar por não trabalhar mais até a sua próxima geração", brinca Mônica Monteiro, ex-agente da top. Diz que, nos três primeiros anos de trabalho, já é possível avaliar se a menina vai ter uma carreira de top model (ganham destaque fora do País), ou se vai trabalhar apenas no Brasil. "Há casos em que a modelo tem cinco anos de carreira e, de repente, pinta uma chance de viajar para o exterior, onde se torna uma top por acaso", diz Mônica.

 

Em contrapartida, há aquelas que chegam ao topo, desfilam para grifes como Prada – o sonho de todas que entram para a profissão – e simplesmente descobrem que não é isso que querem da vida. "Foi o que aconteceu com Carol Pantoliano. Ela estava no auge, mas não gostou do trabalho e desistiu de tudo para estudar Medicina", exemplifica Mônica.

 

O ideal é não perder oportunidades e sempre fazer contatos, para abrir caminhos. Mônica lembra de uma modelo que viajou para a China, onde enxergou outros negócios, passando a importar diversos produtos para o Brasil. A ex-modelo Helena Rizzo é outro exemplo. Quando viajava para o exterior, tentava algum estágio em restaurantes renomados, paralelamente aos castings. Hoje, comanda a cozinha do restaurante Maní, em São Paulo.

 

Para a autora do Guia de Modelo, Érica Muñoz, é importante tomar cuidado para não cair em armadilhas. Deve-se investir em um book bem produzido, com um fotógrafo profissional especializado em moda, procurar uma agência grande, não acreditar em qualquer pessoa, não deixar de estudar nem perder oportunidades de viajar para fora do País. "A diferença de quem se destaca é a esperteza e a atitude", enfatiza.

 

Estudar, ficar antenada, garantir algo além do rostinho bonito e soltar seu grito de independência pode ser uma boa receita. A maioria das modelos torna-se produtora de moda, booker, dona de loja, fazendeira ou, simplesmente, vive de renda. Mas quando há o ingrediente sorte – e talento, é claro –, o destino mais comum é tornar-se atriz ou apresentadora.

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"A mudança não é fácil, mas quem quer consegue", diz Carol Ribeiro, que hoje é apresentadora da IT MTV. Carol admite que existe um certo pré-conceito com relação a modelos, cujo espaço é conquistado aos poucos. Para ela, a diferença entre modelo e apresentadora de TV é que, na passarela, a pessoa fica escondida atrás de uma imagem, e, na TV, acaba mostrando quem realmente é. "Tem uma hora em que a carreira se esgota, a gente fica muito tempo fora de casa, longe da família... Eu já tinha 30 anos. Era hora de parar", comenta Silvia Pfeifer, sobre sua transição de modelo para atriz.

 

A antropóloga e doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Campinas (Unicamp), Fabiana Jordão Martinez, desenvolveu uma pesquisa sobre a trajetória de modelos. Com o título De Menina a Modelo, entre Modelo e Menina: Gênero, Imagem, Experiência, sua pesquisa mostra que essas profissionais vivem em um mundo com valores invertidos: são julgadas pela aparência, construídas para que sejam uma imagem e ensinadas a não expressarem sua personalidade. "Quando deixam a profissão, querem separar a modelo da personagem, e querem ser ‘normais’, casar, ter filhos, buscando uma esfera mais íntima que é o lar", explica a antropóloga. Por isso, não dá para se iludir.

 

Há histórias curiosas, como a da ex-modelo e cantora Carla Bruni, que se tornou primeira-dama da França ao se casar com o presidente Nicholas Sarkozy. Outro caso marcante é o de Elizabeth Pimenta Lucas, Bethy Lagardère, que saiu de Belo Horizonte aos 17 anos, nos anos 70, trabalhou bastante pelo Brasil até desembarcar em Paris, abrindo alas para outras brasileiras. Ela caiu nas graças de estilistas como Yves Saint Laurent e Givenchy, se casou com um empresário que, na época, era considerado o homem mais rico da França, Jean-Luc Lagardère, de quem ficou viúva em 2003, e herdou cerca de US$ 17 bilhões.

 

Há quem compare a carreira de modelo com a de jogador de futebol. Isso porque, quando eles chegam ao topo da carreira, têm de interromper a trajetória para não serem vítimas da decadência. Uma jogada de marketing.

 

CAROL RIBEIRO

A paraense Caroline Ribeiro trabalha com moda desde os 15 anos. Acaba de completar 30, tem um filho de 5 e é casada há 13 anos. Consolidou a carreira em território nacional, enquanto viajava por Nova York, Paris, Milão, Londres e Paris. Depois de estrelar campanhas da Gucci, Louis Vuitton, Valentino e Revlon (substituindo Cindy Crawford), além de capas de revistas como

Vanity Fair

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,

Vogue

e

Elle

, entre tantas outras, comandou por um ano o programa A Fila Anda, da MTV.

 

Neste ano, passou a apresentar o IT MTV, direto de Nova York, onde passou a viver com o filho e o marido, mas já tem planos de voltar para o Brasil em 2010. Ela fez curso de edição e sempre produziu o programa junto com a equipe. "Eu realmente entendo do que estou fazendo", avisa.

 

SÂMIA MALUF

Aos 13 anos, largou a carreira de modelo mirim para trabalhar em um banco. Oito meses depois, foi reconhecida por uma produtora. A partir daí, voltou a "modelar" por mais cinco anos, até ser aprovada no vestibular para Medicina.

 

Logo depois, seu pai morreu e, mais uma vez, voltou para as passarelas. Viajou a trabalho para Paris e Nova York, onde se casou e, depois de seis meses, engravidou. "Voltei para o Brasil e, aos 25 anos, era mãe de três filhos, tinha uma família boa e feliz, e uma loja de roupas", conta ela, que hoje é uma avó coruja.

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Formou-se em Psicologia com especialização em droga dependência, depressão e síndrome do pânico. Atualmente, é dona da empresa By Sâmia, especializada em aromaterapia, e presta consultoria de estética, beleza e bem estar.

 

HELENA RIZZO

A gaúcha conta que nunca encarou o trabalho de modelo como profissão. Estudava Arquitetura em Porto Alegre e conhecia o mundo das passarelas, pois tinha uma amiga modelo. Acabou sendo convidada pela Ford Models para um trabalho. Foi quando se mudou para São Paulo. Admite que curtia o glamour enquanto era adolescente. Mas gostava mesmo era de cozinhar. Na época da escola, já fazia bombons, chocolates, biscoitinhos e bolos para vender. E, no período em que trabalhava como modelo, fazia estágios em restaurantes renomados.

 

Aos 20 anos, Helena já comandava a cozinha do Na Matta Café. Hoje, é chef do restaurante Maní, em São Paulo: foi convidada pela amiga Fernanda Lima, dona do estabelecimento, para comandar a cozinha ao lado do maridão.

 

MARGARETH LIBARDI

Ela teve uma passagem curta, com duração de apenas dois anos, pelo que chamam de "carreira de modelo", na década de 80. Deixou para trás passarelas e flashes para curtir sua gravidez. Formou-se em Ciências Contábeis e em Publicidade e Propaganda. Hoje, comanda a Libardi Comunicação, onde presta consultoria para modelos e atores.

 

"Oriento que se cerquem de informação, estudem idiomas, façam cursos e tenham uma boa relação com a mídia. Adoro pessoas superfamosas que são humildes", dispara. "Modelar" ainda faz parte de sua vida (acaba de renovar um contrato com a rede Sam’s Club), assim como os trabalhos de atriz (está ensaiando para uma peça teatral) e as investidas como escritora – escreveu Profissão Modelo – Em Busca da Fama (Senac).

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SILVIA PFEIFER

Casada há 27 anos, mãe de uma moça de 24 e de um garoto de 16, Silvia Pfeifer foi uma das primeiras modelos a estrelar como atriz na TV.

 

Tudo começou com um telefonema que recebeu da diretora e roteirista Graça Motta, que fazia testes para um filme de Walter Salles, na década de 1990. Na mesma época, fez um curso com a atriz e diretora Bia Lessa. Acabou entrando no elenco da novela Boca do Lixo (2003), no lugar de Cristiane Torloni – que recusou o convite por conta da sua agenda naquele momento.

 

"Já tinha 12 anos de carreira como modelo, e vinha pensando no que faria depois. Foi uma feliz coincidência", lembra. Hoje, faz trabalhos de voz com renomados professores de canto, cursos de idiomas, e acabou de aprender três ritmos de dança.

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