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COP 9: avanço em ritmo de trator

Conferência que terminou na sexta-feira na Alemanha não produziu efeitos práticos para conservação de espécies

Por Herton Escobar
Atualização:

O evento mais importante da Organização das Nações Unidas sobre biodiversidade foi encerrado na sexta-feira com algumas vitórias para a diplomacia e várias derrotas para o meio ambiente. Após duas semanas de negociação, a nona Conferência das Partes (COP 9) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) não produziu quase nenhum resultado prático significativo. Enquanto a destruição dos recursos biológicos do planeta avança com a velocidade de uma Ferrari, a política ambiental internacional avança com a agilidade de um trator engasgado, em que cada soluço é visto como um avanço. Criada em 1992, no Rio de Janeiro, a CDB assumiu como principal meta em 2002 produzir uma "redução significativa" da perda de biodiversidade até 2010. A menos de dois anos desse prazo, a COP 9 deixou óbvio que a meta não será cumprida. Pelo contrário: o número de espécies ameaçadas e o estado de degradação dos ecossistemas só pioraram nos últimos 20 anos. Nas próximas décadas, estudos prevêem que os serviços ambientais primordiais prestados pela biodiversidade, como produção de água, ar e alimentos para o ser humano, poderão ser seriamente comprometidos - incluindo o Homo sapiens na lista de espécies ameaçadas. "Chegamos a um ponto em que ações drásticas são necessárias", disse o secretário-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner. "Em algumas partes do mundo houve avanços significativos, o que mostra que a meta é factível, mas não será cumprida." A expectativa é que na próxima COP, em Nagoya, a convenção assuma uma meta de prazo mais longo, mas com objetivos mais direcionados e cientificamente mensuráveis. "Boas coisas estão acontecendo por aí, mas elas não se somam. É por isso que precisamos de um esforço global. Se o Brasil preservar a Amazônia, mas todos os outros países queimarem suas florestas, não vai adiantar nada. Não vamos salvar o mundo." Até que essa nova meta seja acordada, e até que ela possa ser cumprida em mais 10 ou 20 anos, mais alguns milhares de espécies já poderão ter desaparecido, pescadas, caçadas, queimadas ou atropeladas por tratores nas florestas ou sufocadas pela poluição nos recifes de coral. Pesquisadores calculam que, neste momento, a taxa de extinção de espécies seja até mil vezes maior que a média histórica do planeta. A maior parte do efeito é invisível, pois refere-se a espécies que não foram - nem serão - descobertas. "A convenção é lenta demais", discursou o chefe da delegação do Greenpeace em Bonn, Martin Kaiser. "Duas mil espécies foram extintas desde que essa conferência começou." De 24 serviços ambientais analisados pelo Millennium Ecosystem Assessment das Nações Unidas, 15 estão em declínio. Entre eles, a capacidade da natureza de purificar água, da atmosfera de eliminar poluentes, dos oceanos de produzir mais peixe e dos insetos de polinizar plantações. O custo para reverter o problema é alto, mas o de não fazer nada é ainda maior. Um estudo divulgado durante a COP busca calcular justamente esse valor, na linha do que foi feito pelo Relatório Stern, que calculou o impacto econômico das mudanças climáticas. "Natureza é dinheiro", resumiu o economista indiano Pavan Sukhdev, que coordena o estudo. Claro que esse não é o único motivo pelo qual deveríamos preservar a biodiversidade. Mas é o único que vai convencer o mundo a agir. O simples serviço de polinização de lavouras prestado por abelhas vale cerca de US$ 2 bilhões por ano. O valor do pescado mundial, é de US$ 58 bilhões. Mais de 1 bilhão de pessoas dependem da pesca como única fonte de proteína animal para alimentação. A sustentabilidade da pesca depende diretamente da conservação de recifes de coral e manguezais, onde grande parte dos peixes se reproduz. Ambos os ecossistemas estão sendo destruídos em velocidade e quantidade alarmantes. O relatório prevê que 60% dos recifes correm risco de desaparecer até 2030. No Caribe, 80% da cobertura de coral vivo já desapareceu nos últimos 30 anos. As perdas para a indústria do turismo de mergulho podem chegar a US$ 300 milhões/ano. O Relatório Sukhdev com o cálculo total do prejuízo só ficará pronto em 2010. Mas os levantamentos preliminares divulgados em Bonn já deixam clara a importância econômica da biodiversidade - especialmente para os mais pobres, que dependem diretamente da natureza. "A pobreza e a perda da biodiversidade estão intrinsecamente conectadas", disse Sukhdev. "Para deixar a pobreza no passado, precisamos colocar a biodiversidade no futuro." "A maior empresa do mundo não é o Wal-Mart, nem a Microsoft, nem a BMW, é a natureza", disse o secretário-executivo da CDB, Ahmed Djohglaf. "Nós somos os principais acionistas, e estamos destruindo nosso capital." A expectativa é que o estudo sobre "A Economia de Ecossistemas e da Biodiversidade (TEEB, em inglês)" possa mobilizar a opinião pública e convencer políticos e empresários a colocar a mão no bolso para conservar a biodiversidade - como estão fazendo para combater o aquecimento global. O Relatório Stern, preparado pelo economista inglês Nicholas Stern, calculou que os efeitos do aquecimento poderão custar entre 5% e 20% do PIB mundial, enquanto combater o problema custaria apenas 1%. Segundo Sukhdev, só a perda de florestas poderá custar 6% do PIB mundial. Enquanto o estudo e a mitigação das mudanças climáticas recebem montanhas de dinheiro, a conservação da biodiversidade continua a mendigar. A própria CDB tem um dificuldade imensa para custear operações e atrair atenção. A não ser por alguns anúncios de criação de áreas protegidas e uma gorda doação da Alemanha para a conservação de florestas, a COP 9 foi mais uma reunião preparatória para a COP 10. O desinteresse da comunidade internacional ficou evidente no belo salão oval onde foi realizado o segmento ministerial da conferência. Faltavam ministros e sobravam cadeiras. O ministro brasileiro, Carlos Minc, viajou até a Alemanha e fez um discurso de poucos minutos para uma plenária quase esvaziado. Mesmo na sala de imprensa, não havia quase ninguém para ouvi-lo. O repórter viajou a convite do Secretariado da CDB

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