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Contagem regressiva

No corre-corre rotineiro, o dia parece não caber mais em 24 horas e as mulheres são as que mais sofrem com isso

Por Ciça Vallerio
Atualização:

Falta tempo para tudo. Para cuidar da saúde, dos filhos, da casa, das obrigações do trabalho e, nem se fala, para ler um bom livro, investir num curso, namorar e desfrutar de momentos de lazer. São tantas atribuições diárias que se chega ao fim do dia com aquele gostinho de frustração por não ter dado conta de tudo. E as mulheres se ressentem mais disso do que os homens, de acordo com o estudo Mulheres, Problemas e Necessidades de Gestão de Tempo, desenvolvido pelo especialista em produtividade pessoal e empresarial, Christian Barbosa, diretor executivo da Tríade do Tempo, empresa que oferece programas e palestras em companhias e para seus próprios funcionários. - Quando a mulher deixa de fazer algo por falta de tempo, se cobra mais, gerando culpa excessiva e sensação de mal-estar. O homem não se culpa tanto, apenas diz: "paciência", e segue em frente. Queixa recorrente entre as mulheres, a falta de tempo virou um problema crônico. Para a pesquisa realizada por Christian, foram entrevistadas, no ano passado, 5.362 mulheres de vários estados - com concentração maior em São Paulo e Rio de Janeiro. As participantes - com idades médias de 34 anos, e a maioria casada - responderam um questionário on line. Do total, 61% não conseguem equilibrar as vidas profissional e pessoal, e 78% não dedicam tempo suficiente para sua vida sexual e para relacionamentos. Os dados serviram de fonte para o livro Você, Dona do Seu Tempo (Editora Gente), de autoria de Christian. Quando lançou o seu primeiro título, A Tríade do Tempo: A Evolução da Produtividade Pessoal (Editora Campus), ele se baseou numa outra pesquisa, de 2005, que envolveu mais de 15 mil pessoas. O objetivo era descobrir como o brasileiro utilizava seu tempo. Naquela época, não acreditou que pudesse haver diferença entre os gêneros, até que se deparou com uma realidade feminina singular. "Essa descoberta mudou a minha visão, que era de certa forma machista", confessa Christian. "Sou casado há nove anos e nunca havia lavado uma louça. Boa parte dos problemas delas está relacionada à sobrecarga de tarefas, por causa dos vários papéis que assumem. Com as estatísticas em mãos, comecei a lavar louça e a partilhar outras tarefas domésticas. Escrevi também o livro para ajudá-las a administrar melhor o tempo, para que encontrem um equilíbrio." Centralizadoras O segundo estudo desenvolvido por Christian, Mulheres, Problemas e Necessidades de Gestão de Tempo, aponta para a dificuldade feminina de dizer não. Sem conseguir recusar nem delegar trabalho, elas assumem mais e mais compromissos. O ponto positivo é que, nessa corrida maluca contra o relógio, conseguem executar multitarefas. Acostumadas a apagar incêndios, realizam várias coisas simultâneas. No entanto, o problema de ser mulher-maravilha é que, a cada interrupção causada pelo excesso de atividades, gasta-se de 15 a 25 minutos para retomar o trabalho no ponto produtivo de antes, avisa Christian. "Hoje há mulheres equilibristas, forçadas a administrar uma agenda insustentável", atesta a escritora e historiadora Rosiska Darcy de Oliveira, de 60 anos. "Esse estilo de vida que está sendo disseminado como normal, em que quantidade ganhou o sinônimo de qualidade, é uma aberração." Desde que lançou o livro Reengenharia do Tempo (Editora Rocco), em 2003, ela não pára de viajar pelo País para falar sobre o assunto, de suma importância no mundo contemporâneo. Rosiska diz ter encontrado muitas pessoas infelizes, principalmente aquelas na faixa dos 40 anos. "Vejo que está batendo um cansaço muito grande, por isso é importante rever essa dinâmica diabólica, que tem gerado mulheres culpadas, casais em conflito, crianças desassistidas e idosos solitários - problema que já não está apenas na esfera pessoal, mas também na pública. A vida como está não cabe em 24 horas." Na contramão do "tempo é dinheiro", a escritora sustenta que "tempo é liberdade". Rosiska tem conseguido driblar os ponteiros do relógio. Conforme conta, primeiro começou a enxergar seu ritmo alucinante como um "problema". Depois, criou uma escala de prioridades, sacrificando até mesmo alguns itens relacionados à "carreira" - e olha que ter menos ambição profissional neste mundo não é fácil. Em seguida, passou a dizer "não" e a recusar convites. Resignação A dona do Ateliê Maria Brigadeiro, Juliana Motter, de 31 anos, ao menos tenta romper com a dinâmica "cruel e opressora" do tempo. Com algumas adaptações aqui e acolá, não considera mais um carrasco o enorme relógio que fica pendurado em sua cozinha, o qual serve para controlar o prazo de entrega de seus doces. Mas não era assim. Antes de abrir seu negócio, vivia refém do tempo. "Tive de aprender na marra", conta Juliana. "Percebi que, a partir do momento em que virei o jogo, o tempo passou a funcionar a meu favor, dependendo da minha organização. Hoje me programo para não ter de abrir mão da minha vida pessoal." Percebeu que o melhor a fazer era antecipar as entregas. Também passou a se conformar com o que precisa deixar para trás. Se para quem não tem filho a vida já é um corre-corre desenfreado, para quem é mãe, a coisa piora - e muito. Gisela Prochaska, de 45 anos, dona de uma empresa de marketing que organiza eventos corporativos, vive dias tão atribulados que mal dá para cuidar dela mesma, já que sua prioridade é a filha, de 15 anos. "Agora estou sem namorado, senão ainda teria de aparecer linda, perfumada e sem sinais de cansaço", brinca Gisela. A tecnologia ajuda bastante, mas também é a responsável pela "aceleração dos minutos", causada pela sensação de imediatismo e pelo fato de as pessoas ficarem on line todo o tempo. Mas há muitos que fazem da tecnologia uma importante aliada. É o caso da empresária Amalia Sina, de 44 anos, uma das mais bem-sucedidas executivas brasileiras, que não vive sem seu blackberry. "Vou até ao banheiro com ele." Amalia foi presidente da Philip Morris do Brasil, da Walita do Brasil e vice-presidente sênior da Philips para a América Latina. Agora lançou sua linha de cosméticos, e com apenas um ano e meio no mercado nacional já exporta para os Estados Unidos, Dinamarca, Inglaterra e Alemanha. A empresária é casada, tem um filho de 11 anos, e sete livros publicados, entre os quais, Mulher e Trabalho - O Desafio de Conciliar Diferentes Papéis na Sociedade (Editora Saraiva). Por incrível que pareça, uma coisa da qual Amalia pode se gabar é de não ter problema com o seu tempo. "É do tamanho que você quer que ele seja", ressalta. "Acordo pela manhã com duas máximas. A primeira: não serei perfeita o dia inteiro; a segunda: não vou entregar tudo o que cada um quer de mim. Quando se admite os limites, o dia fica mais leve e proveitoso." A empresária também criou a "teoria dos 70%". Ou seja, o importante é colocar na cabeça que não se conseguirá atingir a perfeição de 100% em todos os papéis exercidos. Seguindo esse raciocínio, se ela não consegue ser uma mãe 100%, poderá ser 70%, e assim por diante. "A somatória de todos esses 70% serão os 100%. Isso nos deixa mais aliviadas e, portanto, com menos medo de arriscar. Ficamos mais tolerantes conosco e com os outros."

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