Confronto na USP gera críticas na academia

Intelectuais consideram presença da PM legítima, mas reação, exagerada

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Por Eduardo Nunomura
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Um dia após o confronto entre funcionários, professores e alunos da Universidade de São Paulo (USP) e a Polícia Militar em plena Cidade Universitária, intelectuais, filósofos e autoridades expressaram descontentamento com o episódio, criticando atitudes extremistas. Anteontem, após um ato na portaria da USP, um cerco de alunos a um grupo de policiais motivou o tumulto, que teve bomba de gás, balas de borracha e pedras sendo jogadas. Pelo menos seis pessoas ficaram feridas. Na opinião do cientista político José Álvaro Moisés, a presença da PM era legítima para garantir o direito de trabalhar e estudar da ampla maioria que não aderiu ao movimento. Mas ontem ele decidiu não dar a aula no curso em que discute democracia. "Como vou discutir isso num ambiente como esse? Jogar bomba contra estudantes não é maneira de respeitar o primado da lei." Moisés, que não concorda com a greve, estava indignado: "A universidade é o espaço do diálogo e não comporta uma polícia que age de forma despreparada e só se manifesta pelo uso da força." A USP tem cerca de 5 mil professores, 15 mil funcionários e 86 mil alunos, mas as assembleias reúnem bem menos da metade. A reitoria fala em adesão de 10% dos funcionários à greve, ante 70% do sindicato. Em 1968, quando a USP foi invadida por tropas militares, o filósofo José Arthur Giannotti foi um dos primeiros a ser perseguido e expulso. Ontem, um dia após o confronto, o professor se disse envergonhado com o episódio. "Naquela época havia a ditadura e o perigo de ela se aprofundar. Agora só há o risco da esculhambação da democracia." Giannotti criticou a atual reitoria e o anacronismo das lideranças grevistas, cujos métodos de protesto não têm "nada a ver com o Brasil de hoje". "O que se nota é uma incapacidade do diálogo e do respeito de um pelo outro, justamente no meio intelectual do qual são parte." O físico José Goldemberg, reitor de 1986 a 1990, não se lembra de ocorrência semelhante na história da USP e atribuiu o confronto à intransigência dos manifestantes, que criam reivindicações a todo momento e que muitas delas não podem ser atendidas. "O episódio desacredita a universidade, porque passa imagem negativa. A sociedade fica a se perguntar o que há de errado com essa instituição que recebe tanto dinheiro do governo." Os funcionários estão em greve há 36 dias por reajuste salarial e outras reivindicações. Docentes e alunos aderiram na semana passada, engrossando a pauta. A professora e pró-reitora de pesquisa da USP, Eunice Durham, que não concorda com a greve, cobrou maior consciência do movimento estudantil. "Apenas 13% dos estudantes de São Paulo têm o privilégio de estudar gratuitamente. Essas reivindicações são um pouco acintosas para aqueles que estão pagando pelo ensino nas universidades privadas." Roberto Leal Lobo e Silva Filho, que foi reitor de 1990 a 1993, alertou que quando "a violência começa, é difícil de contê-la" e, se houvesse uma discussão civilizada, não seria necessária a polícia no câmpus. Para o diretor da Faculdade de Zootecnia e Veterinária da USP, José Antonio Visintin, a entrada da polícia no câmpus seguia uma determinação judicial e deveria ser cumprida. A PM estava no câmpus desde a semana passada, quando a reitora Suely Vilela pediu o cumprimento de um mandado de reintegração de posse para evitar que manifestantes bloqueassem a entrada da reitoria. Ontem, o governador José Serra (PSDB) disse que a situação "caminha para uma solução" e que os policiais "não cometeram exageros". Segundo ele, a PM "apenas cumpriu uma ordem judicial para assegurar o livre ingresso e o direito de ir e vir" COLABORARAM ANA BIZZOTTO, ESPECIAL PARA O ESTADO, RENATA CAFARDO E VANNILDO MENDES

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