Clima instável favorece avanço da dengue

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Por Redação
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Aos poucos, o sol avermelha a espessa nuvem de poluição sobre São Paulo, anunciando mais um dia de calor. À tarde, uma tempestade atinge a cidade. A temperatura despenca. O vaivém dos termômetros e as chuvas fortes perturbam o cotidiano das pessoas e movimentam os hospitais da cidade. Com uma novidade. Nas filas, além dos pacientes com doenças respiratórias e cardiovasculares, agora é comum encontrar, cada vez mais, casos de dengue à espera de atendimento. Culpa, em grande parte, das alterações climáticas que favorecem a reprodução do mosquito transmissor da doença. Em 2007, até o dia 21 de novembro, a Secretaria Municipal de Saúde contabilizou 2.517 pessoas infectadas pela dengue em São Paulo. Em todo o ano de 2006, foram 466 casos - a cidade registrou a primeira ocorrência em 1999. O aumento da doença já havia sido previsto. Em 1994, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou um balanço das enfermidades que se agravariam no mundo com o aquecimento global. A dengue é uma das protagonistas da pesquisa, ao lado da malária e da febre amarela. Em São Paulo, o avanço da doença sofreu influência da redução das frentes frias que chegavam à cidade durante o verão. "Abaixo de 15 graus, o ciclo reprodutivo do mosquito é interrompido. Com as temperaturas mínimas cada vez mais altas, ele se multiplica rapidamente", diz o climatologista Fábio Gonçalves, do IAG-USP. Mas o problema poderia ser ainda maior. O médico infectologista da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) Marcelo Burattini explica que a cidade tem todos os pré-requisitos para que haja mais doentes. "Há uma grande população humana suscetível, existe o mosquito, o vírus e sua transmissão ativa. Isso permitiria uma epidemia ou um surto de grande magnitude." Os motivos para que a cidade ainda escape desse risco estão sendo estudados - até agora, sem respostas conclusivas. Um dos fatores analisados é a alta concentração de poluentes atmosféricos. As toxinas encurtariam a vida do mosquito e diminuiriam as chances de ele adquirir o vírus. "Essa redução poderia ter um grande efeito na probabilidade de ocorrência de uma epidemia", diz Burattini. Para o chefe da disciplina de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Paulo Olzon, a cidade já vive uma situação epidêmica. "Existem casos além dos que são notificados. Muitas pessoas consultam médicos particulares e não entram na conta." A poluição do ar de São Paulo e a temperatura oscilante agravam a saúde de crianças, idosos e pessoas predispostas a doenças do coração e respiratórias. A violenta emissão de gases de efeito estufa e a concentração de poluentes no ar aproximam do paulistano a polêmica do aquecimento global. AGRAVAMENTO Os estudos em curso sobre a relação entre esse fenômeno e problemas respiratórios e cardíacos, embora não apontem uma relação direta de causa e efeito, comprovam o agravamento dessas doenças. A pesquisa Planeta, Lugares e Pessoas Saudáveis, divulgada recentemente pela Universidade de Camberra, na Austrália, concluiu que até 2050 as mortes por enfartes, AVCs, asma e bronquite podem triplicar por causa do aquecimento. Em 2004, a Sociedade Americana de Cardiologia reconheceu a poluição como agravante de enfarte do miocárdio, insuficiência cardíaca e arritmias. Segundo o patologista da FMUSP Paulo Saldiva, é como se cada pessoa em São Paulo fumasse dois cigarros por dia apenas respirando a alta concentração de poluentes no ar. Essas partículas desgastam o coração e favorecem a formação de coágulos. Saldiva calcula, em estudo da Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp), que 3.500 paulistanos morrem todo ano por causa da poluição. Produtos da queima de diesel, como óxidos de enxofre, também aumentam a incidência de asma, bronquite, rinite e sinusite. As crises respiratórias são comuns em períodos de mudanças bruscas de temperatura. "No passado, o frio em São Paulo chegava aos poucos e as pessoas se preparavam para ele. Tomavam vitaminas e tiravam as roupas de frio do armário para um banho de sol antes de serem usadas", explica o climatologista Fábio Gonçalves. "Hoje, a mudança de dias quentes para frios é repentina, e as pessoas ficam vulneráveis a fungos e alergias."

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