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Cardeal foi um dos mais importantes da geração

Era conhecido como homem de diálogo e moderação

Por José Maria Mayrink
Atualização:

"Já estou na prorrogação. O que vier daqui para frente é lucro", disse d. Aloísio Lorscheider em agosto de 1989, em São Paulo, onde convalescia de uma operação de emergência para implantar duas pontes mamárias. Era a terceira cirurgia cardíaca que enfrentava - nas duas primeiras (1982 e 1987) havia recebido duas safenas. Na época cardeal-arcebispo de Fortaleza, após ter sido bispo de Santo Ângelo (RS), seria transferido em 1995 para a Arquidiocese de Aparecida, onde permaneceria até janeiro de 2004. Aposentou-se por idade, apesar de ter sido operado mais uma vez, em setembro de 1997, dessa vez para extrair nódulo do pulmão. A "prorrogação" significou mais 18 anos de vida, sendo os três últimos dedicados à pastoral em um convento franciscano de Porto Alegre. Gaúcho de Estrela, onde nasceu em 8 de outubro de 1924, d. Aloísio foi teólogo de renome e um dos cardeais mais importantes da Igreja em sua geração. Tinha 54 anos quando participou do conclave para a escolha do sucessor de Paulo VI. Chegou a Roma entre papabili não italianos e teve pelo menos um voto, o do cardeal Luciani, que, ao ser eleito com o nome de João Paulo I, confessou ter votado nele. D. Aloísio acabara de deixar a presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cargo que exerceu por oito anos, após ocupar a secretaria-geral. Um mês depois, foi um dos articuladores da eleição de João Paulo II. De voz suave e posições firmes, foi um homem de diálogo e moderação, embora se identificasse com a ala mais avançada do episcopado na turbulência dos anos do regime militar. Em outubro de 1970, quando era secretário o seu primo, d. Ivo Lorscheiter (a troca da letra no sobrenome se deve a um erro do escrivão no cartório), d. Aloísio foi detido na sede do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento, no Rio, por agentes do Centro de Operações de Defesa Interna (Codi), numa investigação de supostas atividades subversivas da Juventude Operária Católica. A detenção durou três horas e meia. Em Fortaleza, onde foi arcebispo por 18 anos, d. Aloísio sofreu várias ameaças de morte. Em fevereiro de 1987, desconhecidos jogaram uma bomba de fabricação caseira no terraço interno de sua casa. Acordou assustado e, embora os estragos fossem pequenos, decidiu chamar a polícia. Não era o primeiro atentado. No ano anterior, um grupo não identificado matou com veneno sete cães que ele tinha no quintal. Ameaças e atentado se deviam, aparentemente, às posições adotadas pelo cardeal em defesa da reforma agrária, da causa indígena e dos direitos de presos políticos. No campo pastoral, ele apoiava as Comunidades Eclesiais de Base e o aproveitamento dos padres casados em funções litúrgicas e no trabalho de evangelização - o que não significava uma volta ao ministério sacerdotal que eles abandonaram. Defensor da Teologia da Libertação na Conferência de Puebla (México) em fevereiro de 1979, quando era presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), d. Aloísio viajou a Roma em 1984, com o cardeal de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns, franciscano como ele, para prestar solidariedade a Leonardo Boff, também franciscano, que foi interrogado e, em seguida, censurado pela Sagrada Congregação de Defesa da Doutrina da Fé. Não conseguiram evitar que Boff fosse condenado ao silêncio obsequioso (não poderia ensinar teologia nem escrever livros sobre questões teológicas), mas deram seu testemunho em defesa do confrade. O presidente da Congregação era o cardeal Joseph Ratzinger, depois Bento XVI. Em março de 1994, d. Aloísio passou mais de 18 horas como refém numa rebelião de presidiários. Ele fazia uma visita de rotina ao Instituto Penal Paulo Sarasate, em Fortaleza, quando foi dominado por dois detentos enquanto falava num auditório sobre as condições precárias das cadeias. Arrastado para debaixo de uma mesa, sugeriu que fosse o último a ser libertado. Mandou bilhetes às autoridades pedindo que atendessem às exigências dos rebelados. Ao ser libertado, declarou que continuaria defendendo o direito dos presos a um tratamento humano e justo. A transferência para Aparecida, arquidiocese pequena, onde sua ação pastoral se restringiria à assistência aos romeiros na basílica nacional da Padroeira do Brasil, deveria ser uma espécie de aposentadoria antecipada. Os médicos sugeriam que reduzisse o ritmo de trabalho, o que acabou não fazendo. Como arcebispo emérito, foi morar em Porto Alegre. Por ter mais de 80 anos, não participou do conclave de 2005, quando Bento XVI foi eleito. Muito doente à época, não conseguiu viajar a São Paulo, em maio, para se encontrar com o papa na visita ao País.

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