Calor extremo pode virar regra em 2100

Temperaturas médias do futuro poderão ser maiores do que as máximas atuais, diz estudo na ?Science?

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Por Herton Escobar
Atualização:

O clima vai esquentar para valer nas próximas décadas com a intensificação do aquecimento global causado pelo acúmulo de gás carbônico na atmosfera. Segundo um estudo publicado hoje na revista Science, até o fim deste século as temperaturas médias no verão poderão ser mais altas do que as máximas registradas nos anos mais quentes do século passado. Veja mais reportagens e dados sobre o aquecimento global Eventos extremos, como a onda de calor que matou milhares de pessoas na Europa em 2003, poderão se tornar norma em muitos lugares do mundo, com impactos severos sobre a produção de alimentos e a qualidade de vida das pessoas. Os países mais impactados nesse cenário serão os das regiões tropical e subtropical, como o Brasil, onde as temperaturas já são naturalmente mais elevadas. "É bom se preparar para verões muito, muito quentes", disse ao Estado o pesquisador David Battisti, do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de Washington (EUA), que assina o estudo. "Vamos ver temperaturas elevadas como nunca se viu antes." Segundo Battisti, há uma probabilidade altíssima (acima de 90%) de que as temperaturas recordes de hoje serão as temperaturas médias de amanhã em grandes áreas dos trópicos e subtrópicos - onde vivem as populações mais pobres, mais dependentes da agricultura e, consequentemente, as mais vulneráveis (mais informações nesta página). O impacto sobre a produção de alimentos poderá ser desastroso, como já mostraram alguns eventos climáticos do passado. Em 2003, a onda de calor na Europa não só matou milhares de pessoas como reduziu em 20% a 35% a produtividade das lavouras de milho, trigo e frutas na França e na Itália. Em 1972, uma onda de calor na ex-União Soviética deflagrou uma crise global no mercado de cereais. Segundo Battisti, modelos agrícolas e climáticos indicam que cada 1°C a mais pode reduzir a produtividade agrícola de 2,5% a 16%. Na França, o verão de 2003 foi 3,6°C mais quente do que a média histórica. No caso soviético, os termômetros variaram de 2°C a 4°C acima do normal. "Esses eventos históricos nos dão uma ideia do que pode acontecer no futuro", avalia o pesquisador José Marengo, especialista em mudanças climáticas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "Situações extremas como essas poderão se tornar mais intensas e mais frequentes." O estudo é baseado em um combinado de 23 modelos climáticos usados no último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). As projeções tomam como base um aumento de 2,8°C na temperatura média do planeta, em comparação com o século passado, e uma concentração de dióxido de carbono (CO2) de 700 partes por milhão (ppm) no ano 2100 - quase o dobro da atual. CASO BRASILEIRO Estudos brasileiros também alertam para possíveis efeitos severos do aquecimento global sobre a agricultura brasileira. Em um trabalho recente, financiado pela Embaixada Britânica, pesquisadores da Embrapa e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) calculam que o agronegócio brasileiro poderá perder até R$ 7,4 bilhões já em 2020 ou até R$ 14 bilhões em 2070 se nada for feito para adaptar o setor às novas condições climáticas que estão por vir. Segundo o pesquisador Hilton Silveira Pinto, da Unicamp, as projeções do estudo na Science estão em "total acordo" com as projeções do estudo brasileiro. Os cientistas ressaltam que, mesmo que haja uma redução significativa das emissões de CO2, parte das mudanças climáticas já é inevitável. Por isso, é preciso investir também em medidas de adaptação - por exemplo, no desenvolvimento de plantas tolerantes a secas e a altas temperaturas. Vários estudos estão sendo feitos nesse sentido no Brasil, principalmente com soja, feijão e alguns tipos de fruta. Na avaliação do especialista em ciências atmosféricas - e produtor de café - Pedro Leite da Silva Dias, o estudo na Science retrata um cenário excessivamente alarmante e não necessariamente o mais provável, porque leva em consideração modelos extremos do IPCC que não reproduzem com fidelidade as condições climáticas do presente. "Você pode fazer projeções com base nos extremos ou com base na média. Eu acho mais razoável discutir em cima da média", afirma Dias, diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC).

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