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Bispo chinês se dedica aos indígenas da Amazônia

Para evangelizar, d. Song usa mágica, televisão e visita de casa em casa

Por Ricardo Westin
Atualização:

D. José Song Sui Wan não é um bispo como os demais. A começar pela origem. Ele nasceu em Xangai, 66 anos atrás, quando a China ainda não era comunista. Sua diocese, São Gabriel da Cachoeira (AM), é a segunda maior do Brasil e fica em plena floresta amazônica, fronteira com a Colômbia e a Venezuela. Seus fiéis são, na maioria, índios. "Quando me perguntam de onde sou, digo que venho da tribo Xangai", diz ele, bem-humorado. D. Song, como é conhecido, conversou com o Estado há duas semanas, quando esteve em São Paulo para visitar parentes e fazer exames médicos de rotina. A primeira parte da entrevista foi na sala de espera de um consultório. Ali mesmo, recém-chegado de viagem, ele tirou da mala um lenço e, concentrado, começou a sacudi-lo no ar. Um nó inexplicável apareceu no pano. A mágica é um de seus instrumentos prediletos de evangelização. D. Song fala das ocasiões em que mostra seus truques aos índios com a mesmíssima empolgação com que lembra as magias que certa vez apresentou no Vaticano ao papa João Paulo II. Cabelo ligeiramente grisalho e sorriso fácil, o bispo fala com uma voz baixa e suave. O português é perfeito, mas sente-se um leve sotaque oriental. Ele ainda fala três dialetos chineses, inglês, italiano, espanhol, francês, alemão, grego e latim. "Não sei as línguas indígenas. No máximo, arranho umas frases de saudação. Em São Gabriel, é como se estivesse na Torre de Babel", compara. Nas missas, permite que os índios vistam tanga. Ele próprio usa cocar. BRAÇOS ABERTOS D. Song nasceu numa família católica da China. Com a chegada dos comunistas ao poder, em 1949, e a conseqüente perseguição religiosa, sua família refugiou-se em Hong Kong. Foi na ilha, então dominada pelos britânicos, que ele cursou o seminário. Temendo a devolução de Hong Kong ao governo chinês, o pai achou melhor ir para o maior país católico do mundo, levando a mulher e os seis filhos. A viagem, num navio de carga, durou dois meses e meio. "No Rio, em 1959, tivemos a primeira imagem do Brasil: o Cristo Redentor, de braços abertos. Sentimos que seríamos bem acolhidos." A família se instalou na cidade de São Paulo. D. Song aprendeu português num seminário salesiano. Passou por Araras, São Carlos, Campinas, Lorena, Cruzeiro e Lavrinhas, cidades do interior paulista, trabalhando como pároco ou diretor de faculdades e colégios católicos. Nunca mais voltou ao seu país. As notícias de lá vêm pela internet. Foi ordenado bispo em 2002 e logo enviado para São Gabriel da Cachoeira. No início, ficou assustado com a missão. Sob sua responsabilidade está uma diocese maior que o Estado de Santa Catarina. Teve de acostumar-se a uma região onde, na maioria das vezes, só chega aos fiéis por rio. A aldeia mais próxima fica a quatro horas de barco. Algumas viagens duram duas semanas. Nas visitas, celebra missas, casamentos, batizados e crismas. E faz mágicas. Visita casa por casa, coisa rara para um bispo. Calcula já ter passado por 5,7 mil famílias. "Não forço nada. Os índios são muito religiosos e participam por conta própria", esclarece. "A liberdade religiosa é sagrada. Foi um erro histórico (obrigar os índios a seguir o catolicismo). Isso não se faz mais." Outra forma de evangelização é a TV - d. Song tem um programa na retransmissora local da Rede Vida. A segunda parte da conversa com o Estado foi na capela de um colégio salesiano no centro de São Paulo, onde posou para a foto da reportagem. Ali os padres todos foram cumprimentá-lo. Um militar da reserva que havia parado para rezar notou a presença dele e foi, de joelhos, beijar-lhe o anel de bispo. Do colégio, veio o convite para um almoço preparado especialmente para ele. D. Song saiu pela tangente, explicando que já tinha marcado um compromisso. Ao despedir-se do repórter, revelou que iria, na realidade, almoçar sozinho num restaurante de comida chinesa na Rua 25 de Março, no centro. "Em São Gabriel, as pessoas comem cobra, macaco, lagartixa, jacaré... Tudo que voa, nada ou anda no chão... Sinto falta da comida da minha terra", contou o bispo, entre risos.

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