Beleza monumental

Braços abertos sobre a Guanabara, como canta Jobim, o Cristo Redentor completa 77 anos e ganha um documentário

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Por Vera Fiori
Atualização:

A publicitária carioca Maria Izabel Noronha estava passando por um período de incertezas no campo profissional quando foi até o morro do Corcovado, aos pés do Cristo Redentor, em busca de alguma inspiração. "Pensei comigo: tomara que tenha herdado alguma coisa do meu bisavô." A resposta estava bem ali, à sua frente, acolhendo seus pensamentos de braços abertos. Vendo que a história do monumento - uma das sete maravilhas do mundo, que recebe cerca de 1 milhão de visitantes por ano - estava se perdendo, Bel, que é bisneta do engenheiro Heitor da Silva Costa, autor do projeto, pensou em realizar um documentário. "Fui às ruas conversar com as pessoas e muitas ainda acreditam que o Cristo foi uma doação dos franceses ao povo brasileiro." Disposta a desfazer a lenda e contar aquela que pode ser considerada uma das maiores proezas da engenharia civil brasileira, foi à luta e percorreu os passos do engenheiro, com o cuidado de não se prender somente a narrativas familiares, o que poderia dar um cunho doméstico e afetivo ao trabalho. Segundo a documentarista, não se sabe ao certo como surgiu a ideia de que o Cristo foi feito na França e montado no Rio, como um gigantesco puzzle: - O Cristo Redentor foi moldado no local, com doações do povo brasileiro. A confusão toda deve ter ocorrido porque, devido ao desafio técnico de construir uma estrutura de concreto armado pesando 1.145 toneladas, Heitor chamou um grande calculista da época, o francês Albert Caquot. Outro colaborador foi o também francês Paul Landowski, responsável pela maquete da obra e moldes de gesso das mãos e cabeça. Bel começou a pesquisa para o seu projeto em 2003, quando reuniu artigos do bisavô, publicados na extinta revista O Cruzeiro, trechos dos diários que ele escrevia, além de fotos raras e depoimentos. O rico material acabou rendendo o curta-metragem Christo Redemptor, de 16 minutos, lançado em 2005; uma exposição temática no ArteSesc, no Rio, em 2006 ; e o média-metragem De Braços Abertos, com 52 minutos, que entremeia ângulos inéditos da estátua com depoimentos de personagens, como o engenheiro Fabio Pena da Veiga, falecido no ano passado, passando por Chico Buarque, Nelson Pereira dos Santos e Carlos Heitor Cony. O filme também tem depoimentos colhidos em Paris, com Françoise, filha do estatuário Landowski, e na Itália, com Elletra, filha do lendário Guglielmo Marconi, responsável pela iluminação da estátua na época de sua inauguração, em outubro de 1931. ESFORÇO COLETIVO A saga do engenheiro começou em 1921, quando o Círculo Católico do Rio de Janeiro, entidade formada por intelectuais católicos, propôs a ideia de construir um monumento religioso em comemoração ao centenário da Independência do Brasil, no ano seguinte. Mas como o projeto era muito ambicioso para ser concluído em um ano, ficou pronto apenas em 12 de outubro de 1931, dez anos depois. A iniciativa foi abraçada por D. Sebastião Leme, que coordenou uma comissão para arrecadar fundos junto à população. O sentimento de brasilidade, independentemente de política e credos, contagiou o povo brasileiro: - Em 1923, o cardeal Leme organizou a Semana do Monumento e, no país inteiro, as paróquias arrecadavam doações para a construção. No bairro do Cosme Velho, pessoas desfilavam com lençóis abertos, onde o dinheiro atirado das janelas era recolhido. João Havelange, presidente de honra da FIFA (Federação Internacional de Futebol), era escoteiro na época e participou da arrecadação. Também fazia-se rifas. O custo da obra foi de 2.500 contos de réis, o equivalente, hoje, a aproximadamente R$ 6 milhões. Muitas foram as passagens curiosas que Bel registrou durante suas suas pesquisas: - No desenho original, feito em conjunto com o artista plástico Carlos Oswald, o Cristo tinha uma cruz na mão direita e um globo terrestre na esquerda. Mas o cardeal Leme pediu ao engenheiro que repensasse o projeto para que a bênção fosse vista e entendida de longe. Então, uma antena de rádio de 40 metros de altura, que ficava no morro e que, de longe, parecia uma cruz, sugeriu o Cristo de braços abertos em forma de cruz. O Rio, abençoado, simboliza o mundo. Dá para imaginar um canteiro de obras a 710 metros de altura 77 anos atrás? "Apesar dos andaimes terem beirado o precipício, não houve ocorrência de acidentes graves. O material da obra subia no trenzinho que cortava a floresta da Tijuca. A estrutura interna foi feita em metal e concreto armado." Vencido o desafio de erguer a imagem gigantesca no alto do morro, quando chegou a hora do revestimento, houve um impasse. "Heitor estava em Paris em 1926, quando assinalou no seu diário que tinha de resolver um último grande problema. Foi aí que viu duas fontes com base de mosaico em uma galeria nos Champs Elysées e decidiu-se por pastilhas de pedra-sabão." O que muitos não sabem é que várias voluntárias estiveram envolvidas no trabalho de "vestir" o Cristo. "A pedra era cortada em pequenos triângulos, colados em tecidos por mulheres e crianças na Paróquia da Glória, no Largo do Machado. Atrás dos mosaicos, elas escreviam bilhetes e mensagens. De lá, painéis de até 1 metro eram empilhados e seguiam para o Cristo, sendo fixados sobre o seu corpo." A iluminação do Cristo na data de sua inauguração também tem uma história curiosa. Segundo Bel, o evento contou com a presença do cardeal Dom Sebastião Leme, Getúlio Vargas e todo o ministério. E, por iniciativa do jornalista Assis Chateaubriand, o cientista italiano Guglielmo Marconi foi convidado a inaugurar a iluminação do monumento, a partir de seu iate Electra, fundeado na baía de Nápoles. Emitido do iate, o sinal elétrico seria captado por uma estação receptora instalada em Dorchester, na Inglaterra, e retransmitido para uma antena em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, de onde seriam acesas as luzes do Corcovado. No entanto, o sinal era muito fraco e a transmissão foi acionada no Rio de Janeiro.

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