Bebê ''anencéfalo'' morre após 1 ano e 8 meses

Marcela de Jesus Ferreira teve diagnóstico polêmico e sua sobrevivência era vista como um exemplo para grupos contra o aborto de fetos sem cérebro

PUBLICIDADE

Por Brás Henrique
Atualização:

A menina Marcela de Jesus Ferreira, inicialmente diagnosticada como anencéfala (sem cérebro), morreu sexta-feira em Patrocínio Paulista, na região de Ribeirão Preto. Ela tinha 1 ano e 8 meses e sofria de malformação severa do cérebro e do crânio. A causa da morte foi parada respiratória, em decorrência de uma pneumonia provocada por aspiração de leite. Ao nascer, Marcela foi diagnosticada como anencéfala pela pediatra Márcia Barcella. O caso ganhou repercussão nacional e foi adotado como símbolo da campanha contra a legalização do aborto em casos de anencefalia. Exames mais detalhados de ressonância magnética, realizados um ano depois, entretanto, revelaram que a bebê tinha pequenas partes do cérebro, que mantinham suas funções vitais. O fato foi revelado pelo Estado, em novembro de 2007. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, Marcela sofria de uma malformação do crânio (encefalocele), associada a um desenvolvimento reduzido do cérebro (microcefalia). A anencefalia é caracterizada pela ausência total do cérebro e da caixa craniana, sem possibilidade de sobrevivência. Marcela ficava em casa e era cuidada pela mãe, Cacilda Galante Ferreira. "Estou tranqüila, não triste, pois eu cuidei dela até quando Deus quis", disse Cacilda, de 37 anos, que recebeu o diagnóstico de anencefalia no quinto mês de gravidez, mas nunca pensou em interromper a gestação. O prognóstico era que Marcela não viveria mais do que algumas horas. "Ela foi um exemplo de que um diagnóstico não é nada definitivo", disse a pediatra Márcia, que sempre acompanhou a menina. Ela avalia que Marcela tinha um forma "não clássica" de anencefalia. Para sobreviver, Marcela usava um capacete de oxigênio (raramente ficava sem ele) e era alimentada por sonda, à base de líquidos (sucos, leite e papinhas). Chegou a pesar quase 15 quilos. Devido à deficiência, a menina recebia, desde setembro de 2007, um benefício de um salário mínimo (R$ 415) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Marcela morreu às 22 horas de sexta na UTI da Santa Casa de Franca. Ela estava bem até as 7 horas da manhã, quando Cacilda a alimentou com leite, por sonda. Mas ela vomitou o leite e em seguida aspirou o líquido, o que provocou a pneumonia. "Deus quis a pedra, a jóia, que eu estava lapidando com muito carinho e veio buscá-la. Chegou a hora dela mesmo, e foi de repente", disse Cacilda, que quase não desgrudou de Marcela desde o nascimento. Cuidou da filha no hospital durante alguns meses e, como a família mora num sítio distante da cidade, mudou-se para uma casa própria, na cidade, a um quilômetro da Santa Casa, para socorrê-la em casos emergenciais. O marido, Dionísio, ficou no sítio com a filha Dirlene, de 16 anos. Débora, de 19 anos, ficou com a mãe na cidade. Cacilda só não esteve ao lado de Marcela no momento final. Após ver a filha ser levada à UTI, ela retornou para casa para tomar banho. Por telefone, o médico plantonista pediu a sua presença imediata no hospital. Ao chegar, Cacilda foi informada de que a filha havia falecido menos de meia hora antes. O corpo de Marcela seria sepultado ontem no cemitério de Patrocínio Paulista, vestido com uma camiseta com a imagem de Nossa Senhora. Católica fervorosa, Cacilda deu o nome à filha em homenagem ao padre Marcelo Rossi. O seu segundo nome era Jesus também numa referência à religião. POLÊMICA Em julho de 2004, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu uma liminar garantindo o direito ao aborto em casos de anencefalia comprovada. Três meses depois, a liminar foi derrubada pelo próprio STF, por 7 votos contra 4. O tema, agora, é discutido em projetos de lei no Congresso Nacional. Vários casos de aborto por anencefalia já foram autorizados individualmente pela Justiça, mas desde o caso de Marcela os juízes passaram a ser mais receosos sobre o assunto.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.