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Artistas a céu aberto

Apesar de serem minoria, algumas mulheres estão revelando um estilo próprio e começam a se destacar no grafite

Por Fabiana Caso
Atualização:

Formas de gato, coração, boneca e muito colorido. Mas tudo estilizado na linguagem da arte de rua. Comece a reparar nos grafites de São Paulo que você vai reconhecer traços femininos emoldurando o cenário urbano. Entre as autoras, adolescentes que estão descobrindo essa forma de arte - que ainda significa contravenção - e também mulheres maduras, cujo talento é reconhecido além das fronteiras das ruas. Tudo começou na pré-história. Desde sempre, o homem pintava as paredes, expressando os seus símbolos. Os italianos, em especial, gostavam de redigir protestos com carvão, os quais ainda podem ser vistos nos sítios arqueológicos do País. É justamente da língua italiana que vem a palavra grafite: escrita em carvão. Mas o desenvolvimento dos desenhos com spray se deu em Nova York, na década de 60, quando jovens começaram a pintar paredes e trens da metrópole. Essa expressão de arte desenvolveu-se paralelamente ao hip hop - cultura dos guetos dos Estados Unidos, que reúne também rap e dança break. No Brasil, o grafite se desenvolveu de forma diferente, não tão atrelado ao hip hop. Em São Paulo, os pioneiros foram Otávio e Gustavo Pandolfo, conhecidos como "Os Gêmeos". Os irmãos, que hoje já têm mais de 30 anos, fizeram o colegial técnico na escola Carlos de Campos. Já grafitavam nessa época da adolescência e começaram a incentivar os jovens colegas a fazer o mesmo. Foi assim que a namorada de Otávio, Carina Arsenio (a Nina), começou. Hoje, os dois são casados e continuam criando grafites juntos. Mundialmente conhecidos, uma das últimas empreitadas dos três - Os Gêmeos e Nina - foi grafitar, no ano passado, o castelo de Kelburn, do século 13, na Escócia. Este foi um dos trabalhos preferidos de Nina, que vive às voltas com viagens internacionais. Hoje, aos 31 anos, ela está desfrutando do reconhecimento ao seu trabalho. "Quando comecei a me interessar pelo grafite, já pintava, mas em suportes tradicionais como tela. Também fazia teatro de rua e percebi que poderia pintar em muros, na rua, para todos. Grafite, para mim, é levar a arte a lugares onde normalmente não há arte nenhuma, nenhum valor", resume ela, diretamente de Paris, onde estava com Os Gêmeos, pintando. "O número de meninas que fazem grafite tem aumentado cada vez mais, no exterior isso já é normal. No Brasil, elas estão procurando seu próprio estilo, superando barreiras, pois uma garota pintando na rua é algo bem diferente." Nina participou da 9ª Bienal de Havana e de vários projetos na Europa. Agora, prepara uma exposição solo, que deverá ser realizada em julho, na Galeria Leme, em São Paulo. Mesmo com tanta ocupação, continua grafitando nas ruas paulistanas, pelo menos um final de semana por mês. "É uma maneira de expressão, como qualquer outra arte de rua." Galeria Junto com seu marido Jey, a grafiteira Tatiana Guid fundou, em 2005, a Grafiteria, única galeria especializada em arte de rua. Todo final de semana, vão juntos pintar os muros da cidade: as ovelhinhas e monstrinhos simpáticos dela, às vezes, completam o traçado diferente do marido, e vice-versa. Outra característica do desenho de Tatiana são as espirais: tudo muito colorido. "Evito a cor preta. Quero passar alegria, colocar as pessoas para cima", comenta. Paulistana, de 29 anos, e mãe de Olívia, de 8, Tatiana gostava de desenhar desde a infância. Adorava quadrinhos de super-heróis, como o Homem Aranha, e "viajava" no desenho de personagens como Calvin. Também estudou no colégio Carlos de Campos e foi lá que começou a trocar idéias com Os Gêmeos, fazendo as primeiras experiências com spray. "O trabalho delicado da Nina já era uma referência entre as meninas", lembra. Nessa época, Tatiana adorava andar de skate e ouvir bandas de rock como Pixies, Sonic Youth e a pioneira Stooges de Iggy Pop. O grafite foi somado à música e ao esporte, que já faziam parte de sua vida. "Os desenhos dos skates e das marcas de roupa de skate tinha a ver com a linguagem." Mas, depois que sua filha nasceu, parou de andar de skate e teve de interromper o grafite também. Voltou a pintar aos 23 anos e, de lá para cá, só está obtendo maior reconhecimento. Participa de muitos eventos, pinta cenários e já fez grafites nas paredes de cerca de seis residências. O principal trabalho fora das ruas foi a criação, em parceria com a grafiteira Miss, do grafite que deu origem às ilustrações usadas na linha feminina Carpe Diem, de O Boticário. As duas pintaram uma parede, que foi fotografada e usada nas embalagens dos produtos. "Até 2004, nosso trabalho era super marginalizado. Hoje, existe mais consciência de que é uma forma de arte." Além de grafitar, pinta telas e cria estampas para roupas e acessórios da marca de skate Stand Up. Mas é à primeira atividade que se dedica todos os fins de semana. "Grafite é uma forma de protesto e de apropriação da cidade. É uma arte disponível para todos." Gatos A grafiteira Minhau é autora dos felinos que aparecem em paredes, como a da Praça Roosevelt, no centro da cidade. Camila Pavanelli, de 30 anos, sempre foi apaixonada por gatos. Tem até um, peludo e rajado, que se chama Rajão. Natural de Piracicaba, também é casada com um grafiteiro veterano, Chivitz. Foi junto com ele que pintou seu primeiro muro. E segue aprendendo. "Estou evoluindo a cada dia, gosto de trabalhar com todas as cores possíveis, usando traços soltos." Sempre pintou cerâmica e materiais menos usuais, como sucata. Também curtia colar "lambes" - aqueles papéis impressos - nas paredes das ruas. Mas com o grafite é diferente. "Sempre fico muito ansiosa antes de desenhar, dá até gastrite", conta ela, que grafita todo final de semana com o marido e amigos. "Mas é legal, estamos levando arte para a rua. Muita gente elogia enquanto estamos trabalhando. A satisfação é muito grande."

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