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Aos 15 anos, desafio do Saúde da Família é diminuir desigualdade

Apesar de estar em 94% das cidades, mais de 50% dos moradores não são cobertos pelo serviço preventivo

Por Emilio Sant'Anna
Atualização:

Quinze anos após ser lançado, o programa Saúde da Família é hoje um reflexo do acesso desigual do brasileiro à saúde. Apesar de estar em 94% dos 5.565 municípios do País, mais da metade de seus moradores não é coberta pelo serviço. Entre as 27 capitais, o retrato é o mesmo. Apenas 11 têm mais de 50% de sua população atendida pelo programa, que se consolidou nos locais em que atua como um avanço na prevenção de doenças evitáveis. Os resultados preliminares de um levantamento realizado por James Macinko, professor de Saúde Pública da Universidade de Nova York, dá uma mostra do impacto do programa. O estudo aponta que onde o Saúde da Família atua há 34% menos crianças com baixo peso, 40% menos fumantes e 31% menos problemas de falta de transporte para ter acesso a cuidados médicos. Foram usados dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS). Entre metas estabelecidas, e revistas, o País tinha, até o fim do mês passado, 29,3 mil equipes cadastradas. É pouco para um programa que pretende cobrir 70% da população brasileira, como preconiza o Ministério da Saúde. Hoje, o índice nacional de atendimento é de 49,4%. Mesmo assim, a experiência brasileira é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como modelo. "Há um consenso internacional de que os sistemas de saúde com base na atenção básica são mais eficientes, e o Saúde da Família é sinônimo disso", diz o ministro José Gomes Temporão. Chama a atenção o fato de o programa ter melhor desempenho nas capitais menos desenvolvidas. Lideram o ranking de cobertura proporcional de suas populações Teresina, João Pessoa e Aracaju, todas com índices superiores a 80%. Segundo a diretora do Departamento de Atenção Básica do ministério, Claunara Schilling Mendonça, a fragilidade da cobertura é um reflexo da dificuldade das regiões mais populosas em fazer avançar o programa. "O crescimento do Saúde da Família se deu muito em locais que não tinham rede de saúde instalada", diz. "Em cidades com redes estabelecidas, como São Paulo e a região do ABC, é mais difícil." Um relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2008, revela que o crescimento do programa em cidades com mais de 100 mil habitantes está abaixo do esperado. Em 2003, 22% dos municípios com essa característica tinham cobertura do programa. A meta de expansão previa 48% de cobertura para 2009, mas as dificuldades em implantar novas equipes obrigou a revisão da meta para 35%. PRECARIEDADE NO RIO Outra dificuldade enfrentada pelo programa são as cidades sem rede de atenção primária estabelecida, mas que mesmo assim não conseguem desenvolver o programa. "O Rio não tinha uma rede definida e a atenção é toda voltada para os hospitais", afirma Claunara. Na cidade, a segunda maior do País, as equipes de saúde da família atingem apenas 9,2% dos mais de 6 milhões de cariocas. A precariedade é reconhecida pelo governo local há pelo menos quatro anos. Na época, o Rio vivia uma intervenção federal, resultado do caos em seu sistema de saúde pública. Para contornar o problema, o município firmou acordo com o Ministério Público Federal comprometendo-se a aumentar a cobertura. O objetivo era chegar a 440 equipes até dezembro de 2006. O acordo nunca foi cumprido e o MPF recorreu ao Judiciário para obrigar a gestão local a aumentar o número de profissionais. O resultado dessa falta de ação é a falência total do sistema de saúde no Rio", diz a procuradora federal Marina Filgueira. Em abril, a 2ª Vara Federal do Rio de Janeiro apresentou sua sentença obrigando o cumprimento das metas anteriormente estabelecidas. A Secretaria Municipal da Saúde e a União têm 90 dias para cumprir a decisão. "De fato, temos uma cobertura muito pequena na atenção primária, mas o município vai se adequar às regras, o que não foi feito pela gestão passada", promete o secretário municipal da Saúde, Hanns Dohmann. CLASSE MÉDIA Enquanto cidades como o Rio correm atrás de 15 anos de atraso, o ministério afirma querer ampliar o programa e torná-lo acessível para a classe média. "Hoje, os atendimentos são fundamentalmente voltados para a população excluída, mas temos uma série de estudos que mostram que a estratégia pode trazer benefícios para todas as classes", afirma Claunara. O desafio, no entanto, não é apenas convencer gestores municipais da importância da estratégia. A má distribuição de médicos pelo País também é um obstáculo. "Manter o médico em regiões remotas é difícil, mas isso também acontece na periferia das grandes cidades", admite Temporão.

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