Anúncio vende novo uso de remédios

Medicamentos isentos de receita são indicados para outros males; médico vê estímulo ao consumo irracional

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Por Fabiane Leite
Atualização:

Após a ginástica, uma mulher segue extenuada para o vestuário e reclama de dores nas pernas para a amiga. A companheira de exercícios sugere uma Aspirina e o comercial destaca em seguida que o remédio não serve só para dor de cabeça. Depois vêm o aviso por escrito e a voz do locutor, que explica que o medicamento é contra-indicado em casos de suspeita de dengue - doença que tem, entre suas manifestações, justamente dores no corpo. A propaganda da Bayer é um dos exemplos de comerciais de medicamentos isentos de prescrição, os MIPs, veiculados hoje no País e que tentam alargar a participação desses produtos no mercado farmacêutico brasileiro, sugerindo outros usos menos conhecidos de medicamentos já estabelecidos no mercado. Outro exemplo é a série recente de campanhas do Buscopan, da Boehringer Ingelheim, que lembra o consumidor que a droga também pode ser utilizada pelos homens contra suas dores abdominais - além da conhecida aplicação contra cólicas menstruais. "Tô com uma cólica. Dá um Buscopan?", diz o marido à mulher em um dos comerciais da campanha. No filme mais recente, é um colega de trabalho que oferece o medicamento a colega. Para Sálvio Di Girólamo, secretário-geral da Associação Brasileira de Indústrias de Medicamentos Isentos de Prescrição (Abimip), o objetivo dos anúncios é manter as marcas conhecidas em evidência e mostrar, de maneira escalonada, outras possibilidades de aplicações reconhecidas dos produtos já disponíveis no mercado. O laboratório Bayer e e a associação destacam que seus remédios contribuem para a qualidade de vida dos pacientes, permitindo que cuidem da própria saúde, mas não comentaram diretamente o conteúdo dos anúncios. A Boehringer destacou que suas campanhas publicitárias têm o objetivo de orientar e educar o consumidor e que o remédio sempre foi indicado para dores de ambos os sexos. Já para a Sociedade Brasileira de Vigilância em Medicamentos, que desde 1991 defende o uso racional de remédios, as propagandas são exemplos de estímulo ao consumo irracional, produto de um vácuo na regulamentação desses comerciais. A entidade é uma das que defendem o banimento da propaganda dos remédios isentos de prescrição ou uma pré-aprovação dos anúncios. E tem alertado nos últimos anos que também essas drogas não são isentas de risco - o exemplo é o da Aspirina, que assim como outros medicamentos à base de ácido acetilsalicílico pode agravar quadros de dengue. "Os MIPs são o filé, uma fonte de lucro da indústria", diz José Ruben de Alcântara Bonfim, coordenador-executivo da entidade. "Este é um fenômeno descrito em livros sobre a indústria de 92, que é vender doença, criar doenças, problemas de saúde novos para vender os remédios", comentou sobre as propagandas atuais. Atualmente os MIPs respondem por 30% do setor farmacêutico, têm importância maior do que a dos remédios genéricos, e um faturamento que cresceu 58% em relação a 2003, alcançando em 2007 os R$ 7,2 bilhões, segundo a associação. "É um mercado importantíssimo", destaca Di Girólamo, que defende as drogas como produtos que melhoram a qualidade de vida e permitem ao usuário o conforto de não ter de buscar atendimento médico para problemas simples. "A preocupação deveria ser com a venda sem receita de produtos que exigem a prescrição." Desde 2005, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) discute um aperfeiçoamento da propaganda dos MIPs, cujo último "round" deve ser uma audiência pública em julho. A proibição, já avisa a agência, só será possível com uma nova lei. A Anvisa disse que analisará as propagandas dos dois laboratórios.

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