Aluno chega à faculdade sem preparo

Alguns escolhem o curso pela baixa concorrência; depois tentam recuperar os estudos durante a graduação

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Por Marcia Vieira
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Clarissa Gonçalves de Souza nunca achou que o magistério fosse sua vocação. Filha de guardador de carro e de secretária, pensava em entrar na universidade, mas para se formar em produção cultural. A relação candidato/vaga (17 por 1) para o curso da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, acabou por desanimá-la. Impossível para quem tinha repetido duas vezes a 2ª série do ensino médio e havia conquistado o diploma em supletivo. "Fui realista. Não tinha chance", lembra. Procurou um curso que tivesse algo a ver com arte, mas fácil de entrar. Achou que era o caso de Pedagogia. "A relação candidato/vaga não chegava a quatro." Em 2010, aos 25 anos, se tudo der certo, Clarissa sai da UFF com o diploma de pedagoga. Será a primeira da família a chegar tão longe. Os pais não concluíram o ensino médio. A trajetória dela é um padrão entre alunos de Pedagogia da UFF. Dos 29 que cursam o último ano, só 11 escolheram a carreira por vocação. Vinte e três são de escola pública. Só sete querem dar aula. A maioria quer trabalhar com orientação pedagógica, gestão escolar ou pedagogia empresarial. Dez deixaram os pais desesperados com a escolha - não por coincidência os que têm formação universitária. Segundo a UFF, só 11,8% dos pais dos alunos de Pedagogia e das licenciaturas têm nível superior. A renda média mensal das famílias é de R$ 1,2 mil. "A maioria dos nossos alunos escolhe a Pedagogia porque é mais fácil de passar. Só que eles se encantam e aumenta o número daqueles que realmente querem ser professores", avalia Iduína Chaves, coordenadora de formação de docentes na UFF. A universidade criou em 2002 uma política única de formação de professores em todas as áreas. Todos os cursos tiveram reformulação no currículo para incluir formação pedagógica. Todos passam por estágios na rede pública. O que as estatísticas não mostram, mas os professores percebem, é que muitos alunos da licenciatura são evangélicos. "Nos convites de formatura e nas monografias, a primeira lembrança deles é agradecer a Deus. Não sei porque é assim. Na universidade defendemos que o ensino seja laico", argumenta Cecília Goulart, doutora em linguística. Clarissa, evangélica, tem uma hipótese: "Nas igrejas evangélicas, as adolescentes são colocadas pelos pastores para ensinar as crianças na escola bíblica. Elas acabam querendo ser professoras." Até entrar para a faculdade, Clarissa não foi boa aluna. Nunca havia lido um romance. Ainda hoje, após três anos de curso, não adquiriu o hábito da leitura. "No estágio em escolas públicas, vi essa defasagem da leitura e escrita. Isso me trouxe uma inquietação para estudar mais sobre alfabetização." Está longe de ser a única. A maioria dos alunos que chegam à Pedagogia tem deficiência nessa área. Ana Lúcia Mendez, uma exceção, acompanhou o esforço das colegas. "Nos primeiros períodos, redação era trabalho árduo para muitos. Nem todos os professores apresentavam a disponibilidade para resgatar um trabalho que deveria ter sido feito no ensino médio. Não se pode formar um pedagogo que não compreende textos teóricos e que não consegue resumir o pensamento de forma clara", analisa Ana Lúcia, de 44 anos, professora de inglês e aluna do último período da Pedagogia. Mas a angústia é principalmente dos alunos. "Eu não sabia o que era fazer fichamento", lembra Glaucia de Souza Vianna, de 28 anos.

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