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Abaixo a sabotagem

Especialista em marketing de relacionamento, Ana Maria Leandro fala sobre as relações profissionais

Por Ciça Vallerio
Atualização:

Ana Maria Leandro prega, em suas palestras, ambientes de trabalho mais saudáveis, prazerosos e com menos conflitos. Dessa forma, segundo ela, ganham empregados e patrões, já que funcionários satisfeitos produzem mais e melhor. Conceito que é levado aos treinamentos que dá sobre gerenciamento de equipes e fidelização de clientes. Formada em Letras, pós-graduada em Administração Mercadológica, e atuando também como coaching (espécie de aconselhamento profissional), fundou a primeira empresa de serviços de marketing por telefone no Brasil. Mais tarde, criou sua consultoria, a AML Marketing de Relacionamento, e tornou-se um dos nomes mais respeitados do ramo. Com anos de experiência e passagens por empresas de peso, sabe como ninguém que relacionamento conflituoso é péssimo negócio. Qual o principal empecilho nas empresas, que dificulta o bom relacionamento entre funcionários? É a tendência de preservar os territórios conquistados, como faziam nossos ancestrais em relação às suas cavernas. Isso ficou muito claro na pesquisa da especialista em ciência comportamental, Annette Simmons, com executivos americanos, pela qual ela concluiu que dez "jogos territoriais" estão fortemente enraizados no ambiente de trabalho. Esses jogos, voltados para a preservação do território, ocorrem também nas nossas empresas e se explicam, em primeiro lugar, pela insegurança que as pessoas sentem por causa dos constantes enxugamentos no quadro de funcionários. Para permanecerem no emprego, muitos encaram uma carga de trabalho exaustiva, em detrimento de sua qualidade de vida. Em alguns lugares, sair no horário é visto como falta de comprometimento! Portanto, inseguros, sem uma vida pessoal saudável, essencial para nosso equilíbrio, e desejosos de reconhecimento, muitos acabam criando barreiras para preservar seu status profissional e dificultar a ascensão de potenciais competidores internos. Por isso, empresas gastam fortunas para tentar quebrar o individualismo que está por trás dessa defesa de território, oferecendo cursos de desenvolvimento do trabalho em equipe. Preservar território não é uma reação natural do ser humano? Sim, é uma característica atávica e começa na infância, quando tentamos monopolizar a atenção dos pais, avós, tios e professores, ou quando brigamos pelos brinquedos. Na adolescência, isso fica muito mais evidente. Aqueles que fazem parte de um grupo compartilham tudo, de roupa e cortes de cabelo a informações sobre o que fazer e aonde ir. Mas quem está de fora não tem o mesmo acesso. Entre os jovens, isso também é nítido. Formam-se as "panelinhas", que também são uma maneira de limitar o território no âmbito pessoal. Na fase adulta, essas reservas de território passam a existir no mundo empresarial e prejudicam demais o trabalho e a produtividade, e têm forte impacto negativo no bem-estar das pessoas. Existem diferenças entre homens e mulheres nesse quesito? Independe de sexo. É um comportamento típico de seres humanos inseguros, com autoconfiança precária, que buscam maneiras de se proteger. Já vi mulheres escondendo de suas melhores amigas informações bobas, como o nome do perfume, só para manterem exclusividade. Essa incapacidade de compartilhar pode acompanhar mulheres e homens pela vida e influenciar negativamente seu desempenho no ambiente profissional e em outros círculos sociais. Como funcionam os jogos territoriais nas empresas? Annette Simmons relata dez deles. Veja como alguns funcionam. O Jogo da Ocupação ocorre quando a pessoa toma posse de determinados espaços ou projetos, bloqueando acesso, cortando o fluxo do trabalho, dificultando o processo. Tudo precisa passar por ela ou ter sua anuência ou autorização. No Jogo da Manipulação, a pessoa fornece informações filtradas, incompletas e, às vezes, distorcidas, mesmo que possa prejudicar o trabalho do outro. O Jogo da Intimidação, bullying ou assédio moral, é a conhecida "fritura", são humilhações públicas ou disfarçadas. É o ato de ameaçar ou criticar de forma destrutiva. No Jogo da Parede Invisível, diante da solicitação de uma informação ou apoio, a pessoa responde com evasivas do tipo: "acho que não vou poder te ajudar", "não sei", "não vi", colocando barreiras. No Jogo do Descrédito, a tendência é diminuir a pessoa ou sua contribuição, quando ela apresenta uma nova idéia ou um novo projeto. O Jogo da Exclusão é também muito comum em empresas, quando um colega ou subordinado passa a ser impedido de participar de reuniões, e recebe informações por meio de terceiros ou nem sequer as recebe. Como esses jogos territoriais afetam o trabalho? Obviamente, são péssimos para o grupo e para a empresa, porque cada ação corresponde a uma reação. As pessoas que se vêem vítimas de um jogo territorial têm a tendência de dar o troco, passando a se defender também, e podem usar armas ainda mais perigosas. Ampliam-se as desconfianças mútuas, multiplicam-se as críticas veladas, o descontentamento se propaga. O ambiente fica cada vez mais insalubre. Vale uma leitura dos resultados da pesquisa realizada recentemente pela Betânia Tanure, da Fundação Dom Cabral, no livro Executivos e (In)felicidade. A insatisfação pessoal entre executivos, relatada por ela, é certamente conseqüência de jogos territoriais. Precisamos aprender a identificá-los no comportamento dos outros e no nosso, para combatê-los. O que pode ser feito para amenizar os conflitos? Nas minhas palestras, sempre digo que o ideal é resgatar e levar para o nosso convívio no trabalho, ou em qualquer outro lugar, valores como generosidade, respeito às diferenças, solidariedade, afeto e humor. Deveriam estar no topo dos nossos princípios de convivência, ao lado de ética, honestidade, comprometimento. São ações simples que tornam a vida na empresa muito mais prazerosa e produtiva. O trabalho em equipe sequer precisará ser incentivado. Será uma decorrência natural, se tais valores forem postos em prática. O que a empresa pode fazer? Já que as condições ambientais de trabalho e as relações de cooperação entre chefia e colegas são os fatores psicológicos e sociais que mais influenciam a produtividade, nos processos seletivos, em vez de focar principalmente no conhecimento técnico, as empresas deveriam privilegiar pessoas que sigam princípios dignos e demonstrem facilidade no contato humano. Dar mais chance para quem gosta de gente, pois quem se empenha em entender o outro lida melhor com as diversidades e é capaz de criar climas mais saudáveis, leves e prazerosos. Valorizar a capacidade de relacionamento e o empenho em praticar valores admiráveis. Isso parece óbvio, mas nem todas as empresas estão efetivamente empenhadas em desenvolver ações que impeçam que o ambiente de trabalho seja um caldeirão em permanente ebulição, que a cada final de expediente devolve aos lares e às famílias uma legião de criaturas estressadas e infelizes. Fora a disputa territorial, a falta de comunicação entre as pessoas também não seria um agravante? Claro que sim! A falta de compreensão do verdadeiro sentido do diálogo é outra fonte de mal-entendidos e de conflitos no trabalho e nas relações em geral. Costumo citar uma frase da antropóloga e coach Sarita Chawla: "o diálogo não é apenas falarmos uns com os outros. Mais do que falar, é uma maneira especial de ouvirmos uns aos outros - ouvir sem resistência, que é ouvir com disposição para sermos influenciados." Porém, o mais comum é ocorrer o contrário: ouvimos alguém expor algo já pensando nos argumentos que vamos contrapor. O fundamental é ouvir com disposição para repensar nossos conceitos e mudar. Mas o comum é elucubrar e tirar conclusões precipitadas e nem sempre positivas - o que prejudica o relacionamento e é um estímulo à hostilidade, à propagação da imagem negativa do outro. Como surgem os mal-entendidos e conflitos? O professor de Harvard, Chris Argyris, denominou esse processo de "escada de inferências". Funciona da seguinte maneira: diante de uma situação, a pessoa cria um significado e, imediatamente, em fração de segundos, faz algumas suposições, chega a uma conclusão, adota uma convicção e decide agir de uma determinada forma. Vou dar um exemplo para ficar mais claro. Imagine a cena: uma colega chega atrasada para uma reunião e se senta discretamente no fundo da sala. Possivelmente, ela não quer incomodar ninguém no momento e pretende justificar seu atraso posteriormente. Mas, no mesmo instante, passam pela mente de outro participante - ou de vários - os seguintes pensamentos: "ela chega atrasada e nem pede desculpas", "isso demonstra falta de profissionalismo", "ela acha que esta reunião não é importante", "ela se julga mais importante do que todos nós aqui", "ela não sabe trabalhar em grupo", "quem tem espírito de equipe chega pontualmente", "vou fazer de tudo para que ela fique de fora desse projeto", etc. É assim que a mente humana normalmente funciona. Ao evitarmos tais inferências e pré-julgamentos, podemos transformar relações doentias em relacionamento respeitoso e afetuoso. Em síntese, em vez de preservar territórios, temos de preservar a saúde das relações? Exatamente! E as pessoas têm saúde mental quando se sentem bem consigo mesmas e em relação às outras pessoas. Quando podem viver de acordo com seus ideais e têm tranqüilidade para pôr em prática seu talento e habilidades. Que outros fatores prejudicam as relações profissionais? A presunção é um comportamento danoso. Aquela sensação de que ninguém é melhor ou pode mais do que você. É fácil esbarrar também em inflexibilidade. Gente que acredita que o único ponto de vista correto é o seu e tem dificuldade para enxergar os fatos sob outro ângulo. Outro fator que prejudica é a facilidade com que certas pessoas desenvolvem a animosidade e raiva. Tudo está interligado. Uma pessoa presunçosa e inflexível, que não consiga fazer valer sua vontade, tende a agir com animosidade e raiva. São reflexos do seu inconformismo e da sensação de impotência diante de fatos que a incomodam. Uma forma de cortar esse mal é incluir a humildade e a maleabilidade no cardápio de práticas diárias. E exercitar a assertividade quando algo realmente nos aborrecer: dizer com franqueza e diplomacia o que pensamos e sentimos. Precisamos falar das nossas emoções e mostrar ao outro o impacto negativo que suas atitudes e posturas tiveram sobre nós. Assim, evitaremos que ressentimentos, provocados por frustrações e mágoas não manifestadas, reapareçam no futuro totalmente fora do contexto, expostos de maneira impulsiva e agressiva.

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