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A viagem do papa a Israel e Jordânia

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

O papa Bento XVI é ousado. Esse senhor de aparência reservada, tímido e pouco dotado para empolgar as multidões, dramaticamente desprovido do charme de seu antecessor João Paulo II, vai ao Oriente Médio. Ele dificilmente poderia ter escolhido lugar mais complicado. Durante uma semana, Bento XVI navegará entre israelenses e palestinos. Perigo! Mas o papa tem a "fé do carvoeiro". Portanto, lá vai ele. Seu mérito é ainda maior porque, até aqui, toda vez que tocou no problema judeu ou no problema árabe, errou o tiro e se complicou. No que concerne aos árabes, ele pronunciou um discurso na Alemanha, em 2006, no qual exprimiu a ideia de que Islã, Alcorão e violência são coisas idênticas. Os árabes acharam isso uma má ideia. Bento XVI precisou jogar baldes de água para apagar o incêndio e foi se recolher à Mesquita Azul, em Istambul. Depois disso, nunca mais perdeu um fórum inter-religioso e estreitou amizade com o príncipe jordaniano Mohammed Ibn Talal, muito influente em seus domínios. Agora, ele redobrará o zelo. Visitará o Domo da Rocha, situado na Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém, o terceiro lugar mais sagrado do islamismo, e se reunirá com o Grande Mufti. O desastre seria um de seus interlocutores levantar uma questão política, seja evocando Israel ou o Estado palestino. Se isso acontecer, será o pânico. Mas o papa tem um trunfo: as peregrinações. Neste ano, a Terra Santa recebeu 1 milhão de peregrinos. Esses peregrinos gastam um dinheiro que é fundamental para economias em dificuldade, quer seja a israelense ou a dos territórios palestinos ocupados. Do lado judaico, o terreno também está minado, e isso é coisa antiga. A Igreja nem sempre respeitou os judeus. Bento XVI engajou-se no processo de beatificação do papa Pio XII ? cuja atitude para com os semitas, durante o Holocausto, continua controversa ? para indignação dos judeus. Um momento delicado a prever: o papa, como todo visitante, vai ao memorial das vítimas do Holocausto, Yad Vashem, mas não passará pelo Museu do Memorial, pois ali figura a fotografia de Pio XII, com uma legenda que não agrada nem um pouco à Igreja. Tudo isso quanto ao passado. Mais recentemente, porém, surgiram outros atritos entre os judeus e o papa. Por ocasião da terrível guerra movida pelo Exército israelense contra a Faixa de Gaza, em dezembro de 2008 e janeiro de 2009, o mundo inteiro ficou petrificado e Roma expressou sua emoção. O cardeal Renato Martino, presidente do Conselho Pontificial para a Justiça e a Paz, comparou a Faixa de Gaza a um campo de concentração. A posição de Bento XVI será ainda mais delicada porque os palestinos, evidentemente, tentarão promover seus interesses e conseguir que Bento XVI lembre seu "direito natural" a uma pátria, assim como o respeito às resoluções da ONU, em particular, a retirada de Israel para as fronteiras de 1967, o que irritaria sobremodo o governo de Jerusalém. Último "casus belli": o bispo inglês monsenhor Richard Williamson, que foi excomungado após o cisma de monsenhor Marcel Lefebvre, e do qual Bento XVI levantou a excomunhão em janeiro para acabar com essa dissidência integrista no coração da Igreja. Ora, esse monsenhor Williamson não achou nada melhor para festejar o levantamento de sua excomunhão que explicar em todas as televisões que o Holocausto foi um "embuste", que Hitler talvez houvesse matado alguns judeus, mas que jamais houve uma "solução final", câmaras de gás, etc. Consternação no mundo inteiro. Também aí Bento XVI teve de colar algumas louças quebradas. Mas a ferida continua aberta, supurando, e isso é compreensível. Hoje se saberá se Bento XVI, após o mal começo que teve nas suas relações tanto com os árabes como com os judeus, terá conseguido reencontrar o rumo. É preciso ser otimista: há três anos somos lembrados a todo momento de que esse papa, apesar de fazer pequenas coisas bizarras de vez em quando, não é menos do que excepcionalmente inteligente. *É correspondente em Paris

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