A última palavra em transporte escolar

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Por Marcos Sá Corrêa
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Lecco, na Lombardia, é o tipo do lugar que só na Itália se poderia passar batido pelas janelas dos ônibus turísticos. Tem tudo a seu favor, exceto a concorrência. O ferry que sai de sua praça não leva meia hora até Bellagio, cidade do lago de Como onde a Fundação Rockefeller paparica as celebridades acadêmicas de seus cursos e conferências. A pé, bufando serra acima por trilhas imemoriais, custa uma longa manhã inesquecível a subida aos refúgios que serviram de escola ao moderno alpinismo europeu, onde à noite se come polenta taragna em mesas comunais, avistando, ao mesmo tempo, as montanhas postas por Leonardo da Vinci aos pés da Gioconda e as luzes metropolitanas de Milão. Lecco foi industrial e poluída, como berço histórico da siderurgia italiana. Fechou fábricas, abriu parques e jardins. Caminho natural para vales internos que ainda se chamam Pasturo ou Primaluna, sua posição na rota de fuga dos milaneses em fins de semana tornou-a intransitável nas tardes de domingo, até que, nos anos 90, as estradas passaram a atravessá-la por túneis subterrâneos. É uma velha cidade que remoça sem parar, sem perder as marcas do tempo. Entre cumes brancos e rios verdes, junta ruínas romanas, vitrines contíguas com as grifes da moda, restaurantes que, nas temporadas de caça, servem carne de passarinho e McDonald?s. Tudo no mesmo labirinto de quarteirões medievais. Mas, dias atrás, Lecco entrou nas páginas do The New York Times com outros trunfos de interesse cosmopolita. A repórter Elisabeth Rosenthal foi ver o Piedbus, sistema de transporte escolar que leva diariamente a dez escolas primárias cerca 450 alunos, com "motorista", mas sem ônibus. A condução sai por conta de guias que pastoreiam grupos de crianças, vestidas com jaquetas de cores berrantes. Todos a pé. Numa das escolas, a Carducci, metade dos estudantes aderiu às caminhadas. Um dos entrevistados admite que fazia o percurso de carro, embora a distância, de porta a porta, mal passasse de 500 metros. A maioria dos trajetos não chega a 1,5 quilômetro. O secretário municipal de Meio Ambiente, Dario Pesenti, credita ao Piedbus uma economia de 160 mil km rodados por dia. E toneladas de CO2. Com os ventos do aquecimento global soprando nas orelhas dos governos ao redor do mundo, a experiência de Lecco foi parar em outras praças, replicada por cidades italianas, francesas e inglesas. Ela ensaia os primeiros passos nos Estados Unidos, onde Marin County, na Califórnia, e Boulder, no Colorado, oferecem subsídios oficiais a quem se dispuser a caminhar ou pedalar entre casa e escola. Na terra do automóvel, em 1960, 40% dos estudantes dependiam das pernas nos deslocamentos de rotina. Em 2001, só 13%. No Brasil, à falta de estatísticas como as americanas, os engarrafamentos diante de colégios particulares mostram que vivemos longe de Lecco - que inventou o Piedbus menos por inspiração ecológica do que para debelar um surto de obesidade infantil. Estatisticamente, pelo menos esse problema os brasileiros sabem que têm. * É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

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