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A receita tradicional do futuro, direto de Varese Ligure, Itália

Por Marcos Sá Corrêa
Atualização:

Varese Ligure, cidade de 2.400 habitantes na Riviera italiana, é a debutante deste fim de 2007 na imprensa internacional. Ela sempre foi discreta e interiorana. Fica no fundo do golfo de Gênova, à sombra de locomotivas da grã-finagem turística, como Portofino e Portovenere. Tudo parece tão perto de suas colinas, que os estrangeiros mal se lembram de ir até lá. De Varese Ligure a Riomaggiore, a mais próxima das Cinque Terre, é um pulo, até para quem percorre a pé, como se deve, aqueles portos escavados no Mediterrâneo em penhascos a prumo, onde os barcos de pesca estacionam a seco em praças públicas, parreiras escalam as encostas em terraços e, ao pé das oliveiras, redes impedem que as azeitonas rolem para o mar. Sem esses trunfos para chamar a atenção do mundo, ela chegou à fama pelo atalho ambiental. Esse é o caminho mais curto, sobretudo em lugares que, aparentemente, pararam no tempo. Sua gente ainda vive do campo. Mas 95% de sua produção tem o selo da agricultura biológica. Varese Ligure é um celeiro de longevidade, com oito cidadãos centenários - ou mais de 0,03% de sua população. Com uma porcentagem dessas, o Brasil teria hoje pelo menos 61 mil pessoas com a idade do arquiteto Oscar Niemeyer. Não foi à toa que, no começo da década, em plena crise da doença da vaca louca, os italianos passaram a levar à mesa as coisas que compravam de seus agricultores. ENERGIA LIMPA Do mar, Varese Ligure só tem o vento. Mas ele sopra constantemente a cerca de 7,5 metros por segundo e ela aproveitou sua posição geográfica para entrar de cabeça na era da energia alternativa, adotando geradores eólicos. Tem quatro turbinas de 3,2 megawatts, instaladas no Passo della Cappelletta, a 1.100 metros de altitude. Elas geram 8 milhões de quilowatts por ano. E agora fazem parte de sua paisagem. Recebem visitantes até do Japão. Acabaram aumentando, de quebra, o turismo na cidade. Com moinhos, placas solares e pequenas usinas hidrelétricas, que também tiram partido de sua topografia acidentada, Varese Ligure tornou-se, seis anos atrás, a primeira municipalidade européia a tirar de fontes renováveis toda a eletricidade que usava. Mesmo sua escola de ensino médio tem placas fotovoltaicas no telhado - 39 painéis de energia solar, cobrindo 36 metros quadrados, o bastante para gerar 4,6 mil quilowatts por ano. Com essas e outras, em 2004 a cidade ganhou prêmio, ao atropelar as metas que marcaram para 2010 o compromisso de limpar pelo menos um quarto da eletricidade que move a União Européia. Está muito à frente da Itália, onde pouco mais de 15% da energia tem origem que se possa chamar de limpa. Atualmente, produz o triplo da eletricidade que utiliza localmente. Com isso, de cliente, passou a fornecedora da Enel, a estatal italiana de eletricidade, o que lhe dá todo tipo de vantagens. Só os geradores eólicos valem ao município 8 mil toneladas anuais a menos em emissões de dióxido de carbono (CO2), escreveu nesta semana a jornalista austríaca Jane Burgermeister, numa publicação especializada em energia renovável (www.renewableenergyaccess.com). "Nós cumprimos os requisitos do Protocolo de Kyoto, e sem fins lucrativos", declarou, na reportagem, a prefeita de Varese Ligure, Michaela Marone. ECONOMIA VERDE Com o que ganha vendendo eletricidade, a prefeitura ajuda os moradores a pagar suas contas domésticas. Trata-se de uma injeção anual de US$ 500 mil só em taxas. O padrão de vida da população, que vinha caindo, voltou a subir. E a economia local ganhou 140 novos empregos, número "mais que bom" para tão pouca gente, concluiu Burgermeister. * É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

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