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A moda e seus bastidores

Em seu quarto livro, Dinah Bueno Pezzolo, ex-editora de moda do Feminino, faz um passeio pelo universo fashion

Por Vera Fiori
Atualização:

Uma roupa feita por várias mãos tem um valor diferente daquela cortada, moldada e costurada pela mesma pessoa, quando o resultado final é de excelência. Na mesma linha, raros são os editores de moda à frente de todas as etapas de um editorial: reportagem, produção, texto, fotos, edição, incluindo make-up e cabelo da modelo. Editora de moda do Feminino por mais de 30 anos, Dinah Bueno Pezzolo faz parte desse time e deixou sua marca em edições de moda e beleza, nas quais cuidava de todos os detalhes. As sessões de foto levavam horas até arrancar o máximo das modelos, em poses ousadas, extravagantes e algumas até arriscadas, como o dia em que posicionou a modelo, pendurada nos esquis de um helicóptero, que voava baixinho: "No início a menina relutou, mas eu, brava, dizia para ela acabar com aquele nhém nhém nhém de criança e sorrir", relembra. Um pouquinho menos radical foi a vez em que colocou a modelo em um balanço improvisado no estúdio fotográfico, a metros de altura do chão: "Conforme ela balançava, o tecido do vestido fazia um movimento lindo." Em 1995, com o mesmo entusiasmo, passou a cobrir os desfiles internacionais no circuito Paris, Milão, Londres e Nova York: - Na volta das viagens, meu marido perguntava sobre a cobertura e e eu dizia estar insatisfeita com as fotos. Os dois fotógrafos que me acompanharam em algumas temporadas clicavam as modelos na passarela, uma atrás da outra, sem flagrar um detalhe importante ou inusitado, coisa que só o olhar da editora de moda consegue captar. Foi quando ganhei de presente uma teleobjetiva Nikon e, a partir de 1996, passei a fotografar os desfiles. Fui na raça! Além da técnica, é preciso saber se impor no meio daquele batalhão, com gritos nervosos em todos os idiomas. Com faro de repórter, não focava apenas as roupas. Rápida no gatilho, registrou, por exemplo, o momento exato em que uma modelo parou de costas para o público e se abaixou para arrumar a presilha dos sapatos, deixando entrever a meia-calça e mais ainda. "Teve também uma modelo que tirou o sapato e deixou à mostra a sola do pé preta, de tão suja", brinca, acrescentando que o segredo para não perder cenas como essas é ver o desfile inteiro, sem desgrudar o olho da lente.FOTO VIROU CAPANuma dessas vezes em que trocava o filme da câmera, ela foi flagrada pela revista Paris Match. Enquanto todos os fotógrafos estão escondidos atrás das lentes, Dinah, na primeira fileira, é a única com o rosto exposto, um instantâneo curioso, capa de seu quarto livro, Por Dentro da Moda - Definições e Experiências (Editora Senac), que será lançado no dia 11, terça-feira, às 19 horas, na livraria Cultura do Shopping Market Place. O lançamento será seguido da mesa redonda "Jornalismo de Moda - Fotos, Opiniões e Bastidores", com a presença da autora, do editor do Caderno 2, Dib Carneiro, da jornalista de moda do Jornal da Tarde, Deborah Bresser, e da fotógrafa Fernanda Calfat. Dinah também escreveu Moda Fácil: Guia de Estilo para Todas as Ocasiões; A Pérola: História, Cultura e Mercado, e Tecidos: História, Tramas, Tipos e Usos. Dessa vez, o ponto de partida para o livro foram as dúvidas e a grande curiosidade dos estudantes das faculdades de moda sobre o seu trabalho como editora. Com linguagem acessível e ilustrações do próprio punho, Dinah costura experiências pessoais, histórias da moda, bastidores, um glossário com a origem e curiosidades de 185 itens do vestuário e as influências econômico-sociais no guarda-roupa ao longo das décadas: - Boa parte dos alunos quer ser editor de moda, mas não tem ideia do lado prático da profissão, como, por exemplo, a rotina na redação e a cobertura dos desfiles nacionais e internacionais. Reuni algumas das perguntas mais frequentes no capítulo Autoentrevista sobre Moda, entre elas, por que os desfiles mostram muitas coisas que ninguém usará; confiar ou não na opinião dos vendedores; se o jornalismo influencia na aceitação de uma tendência; a diferença entre marcas e grifes; o panorama da moda brasileira nos últimos anos, e se é certa a postura de alguns jornalistas, que agem como celebridades. A propósito, a autora cutuca os fashionistas à espera de flashes na primeira fila: "Na própria imprensa, existe o profissionalismo e o exibicionismo. É fácil distinguir aqueles que aguardam o início do desfile, conversando de maneira natural, e os que desfilam para lá e para cá em busca de destaque. Agem desse modo para serem fotografados e entrevistados. Quando se sentam, permanecem pouquíssimos minutos no lugar. Logo levantam e começam a andar de um lado para outro, em locais bem visíveis, fingindo falar ao celular enquanto olham para as próprias mãos, anéis, pés e calçados. Esse tipo de coisa é bastante comum no Brasil." Também relata aos interessados em ingressar na área que a vida dos jornalistas de moda é feita de muito suor, esforço necessário, por exemplo, para conseguir as cobiçadas credenciais que autorizam a cobertura dos desfiles internacionais. Os tais convites valem ouro e, para tê-los, as pessoas são capazes de tudo, até mesmo de apelar para a famosa lei de Gérson, usando meios não muito éticos para obter vantagem: "É preciso preencher formulários, se inscrever na federação francesa da costura e junto às assessorias de imprensa de cada maison, já que não existe uma assessoria geral, como na São Paulo Fashion Week", explica.Fez boas amizades com profissionais de outros países e testemunhou situações inesquecíveis, como o desfile do estilista Kenzo, em março de 2001, que não teve registro na mídia, graças a uma rebelião dos fotógrafos:- O desfile daquele ano ia ser na Place des Victoires, sede da maison. Como sempre, entramos antes do público e vimos um espaço decorado no estilo oriental, com mesas pretas, vermelhas e douradas, e alguns petiscos meticulosamente arranjados. Logo nos posicionamos na sala, achando que as modelos desfilariam entre os móveis. Mas chegou um segurança truculento e pediu para sairmos do lugar, segundo ele, reservado apenas para os convidados. Seguimos então até uma salinha apertada, com uma faixa separando os fotógrafos de um fundo infinito, onde, uma a uma, as modelos posariam para as fotos, como em um estúdio. Protestamos, pois seriam fotos sem a espontaneidade de um desfile e, certamente, iguais em todos os jornais e revistas. Saímos todos e ficamos na porta, esperando o fim do impasse, o que não aconteceu. No ano seguinte, fomos recebidos com tapete vermelho. Por aqui, um designer famoso fez algo semelhante. Protestei, argumentei e saí sozinha, pois os fotógrafos se submeteram aos caprichos do estilista.Irrequieta e com a cabeça fervilhando de ideias, Dinah conta que a preparação do próximo livro, também sobre moda, está a pleno vapor. "O tema? Segredo, para não tirar a surpresa!"

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