A guerreira anárquica

A irreverente e implacável Regina Guerreiro, uma das mais respeitadas jornalistas de moda do Brasil

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Por Redação
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Na década de 1960, quando começou a trabalhar como jornalista, Regina Guerreiro nunca havia escutado a expressão "jornalismo de moda". De família rica, ela tinha estudado em colégio de freiras, falava francês fluentemente e adotava hábitos delicados. Por conta desse "histórico", acabou sendo destinada às páginas de moda e beleza. "Brinco dizendo que caí na moda, em vez de cair na vida", diverte-se. E foi assim, sem querer, que ela abriu as portas do jornalismo de moda que é praticado no Brasil.

 

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Pioneira na área, Regina orgulha-se de nunca ter feito nenhuma escola de moda. Tudo o que sabe aprendeu sozinha, por meio de muitas leituras, instigada pela curiosidade. "Sou absolutamente autodidata e supercuriosa", declara. O contato com grandes personalidades da moda mundial, como os estilistas Pierre Cardin, Paco Rabanne e Mary Quann, nomes por ela entrevistados ao longo de sua carreira, foram essenciais para seu crescimento profissional. Ela destaca, ainda, as inúmeras viagens que fez para conferir coleções - como as de Dior e Chanel -, que, na época, eram restritas a poucas jornalistas e madames do mundo.

 

Até os anos 1970, trabalhou no Grupo Abril, passando pelas redações das revistas Claudia e Elle. Depois, fez um estágio na Harper’s Baazar, renomada publicação de moda norte-americana. Morou um tempo em Paris e, quando voltou para o Brasil, abriu a primeira agência de modelos do País, a Choc. Até que, em 1973, chegou à versão brasileira da Vogue, revista que comandou com pulso de ferro por 14 anos. Começou fazendo um pequeno jornal dentro da revista até ocupar o cargo de diretora de redação.

 

Logo ganhou a fama de durona, passando a ser o temor dos colaboradores. Regina lembra que, naquela época, tudo o que acontecia no mundo da moda era muito imaturo e, por isso, era necessário "pegar pesado" com a equipe. Conhecida pelo seu perfeccionismo exacerbado, é o tipo de mulher que não se dá bem com a praticidade. "Sou teimosa, taurina, gosto de tudo perfeito. Sou obsessiva", entrega-se. E foi ela mesma quem contribuiu para a criação dessa figura temida, sempre que seu nome era pronunciado nos círculos da moda. "Se não tivesse me imposto, as coisas não teriam acontecido e eu não teria me tornado Regina Guerreiro." E completa, gargalhando: "Eu fui muito má."

 

Tornar-se Regina Guerreiro não foi fácil. "Sempre fui muito malhada, porque eu era anárquica", confessa. Mas, como uma guerreira, Regina não desistiu. Seguiu em frente e conquistou o seu lugar ao sol. O preço para tornar-se uma referência na área, entretanto, não foi dos mais baratos. "É muito difícil ser pioneira. Paguei um preço muito grande, de solidão", revela, com a voz embargada. Isso tudo valeu a pena? "Não sei se valeu a pena, mas não poderia ter sido diferente." E emenda dizendo que não se arrepende de nada do que fez.

 

Essa mulher sofisticada e inteligente pode passar uma imagem de arrogância. Basta, porém, uma rápida conversa para perceber que tal impressão é um erro. Logo, abre um sorriso, solta uma sonora gargalhada e surpreende ao revelar que sonha em fazer da moda um produto barato e acessível, sem que, com isso, perca a beleza e o encantamento. "A moda não pode, nem deve, ser privilégio de uma minoria."

 

Anos 80 e hoje. Para Regina Guerreiro, os anos 1980 foram os mais explosivos da sua vida. Viu de perto o surgimento de grandes top models, como Naomi Campbell, Linda Evangelista e Carla Bruni. Relembra com saudosismo da época em que "as festas acabavam às 11 da manhã", e de quando conquistou definitivamente o posto de papisa da moda no Brasil. Hoje, os desfiles da São Paulo Fashion Week não começam antes de ela estar devidamente posicionada na sua cadeira, na fila A.

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Regina mora em um amplo apartamento em Higienópolis, bairro nobre da capital paulista. Seus hábitos hoje são a leitura e as palavras cruzadas. Gosta também de cozinhar e de receber amigos, mas diz que não tem feito tais recepções frequentemente, pois está com uma pessoa que não é chegada a esses eventos.

 

Deixa escapar que considera a vida em São Paulo muito chata. Gosta mesmo é de Paris, onde sonha em voltar a morar. "Aqui, envelhecer é um pecado; na Europa, não, é algo que acrescenta." Falando nisso, a idade não revela nem sob tortura. "Sou eterna", brinca.

 

Várias em uma. Regina usa a terceira pessoa para se definir, e diz que existiram várias delas dentro de uma só mulher. No passado, houve a jovem Regina "teimosa, prepotente." Depois, nos idos dos anos 1980, tornou-se a Regina "apoteótica e poderosa." Nas décadas seguintes, diz que viveu o melhor período de sua vida, quando morou na Europa. "Nessa época, eu fui a Regina que foi ela mesma." Hoje, olha mais para trás do que para frente, e trabalha para que o seu passado possa virar um futuro.

 

Prova disso são os dois livros que está preparando. Um trabalho de imagens, com fotos dos melhores editoriais que assinou . E outro de texto, espécie de autobiografia, que contará, também, o que estava ocorrendo na moda, na política e na música, enquanto narra fatos ocorridos em sua vida. "É um livro bem humorado e, ao mesmo tempo, melancólico", antecipa, informando que um dos possíveis títulos é A Diaba Sou Eu.

 

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A melancolia, aliás, faz parte de sua vida. Por inúmeras vezes, já declarou ser uma pessoa mais depressiva do que alegre. Regina acredita que é importante ter humor, além de certo sarcasmo e acidez, mas pondera que "a vida não é um festival de alegria, é altamente depressiva, triste." Ainda assim, é nos seus momentos mais tristes que produz mais, numa entrega total ao trabalho. "Ouço mais os meus fantasmas", diverte-se.

 

E para fechar a vida de uma maneira digna de Regina Guerreiro, ela sonha em estar sentada num banco de algum parque parisiense, com um vestido de alta costura, vendo a vida passar. "Quer um fim melhor?

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