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20 milhões utilizaram livro polêmico

Número pode ser maior porque mais de um aluno usou exemplares de obra vetada pelo MEC por ?doutrinação ideológica?

Foto do author Renata Cafardo
Por Renata Cafardo e Elisangela Roxo
Atualização:

O coleção de livros didáticos Nova História Crítica, do autor Mario Schmidt, já foi usada nos últimos dez anos por mais de 20 milhões de estudantes no País. O livro foi rejeitado neste ano pela avaliação do Ministério da Educação (MEC) e tem sido acusado de veicular propaganda ideológica. Segundo a Editora Nova Geração, responsável pela publicação, foram comprados e distribuídos a escolas de todo o País 9 milhões de exemplares nos últimos anos. Como o governo só compra livros didáticos a cada três anos, o exemplar deve ser repassado para os colegas mais novos duas vezes, ou seja, é usado por três alunos.  Mais trechos dos livros Segundo o ministério, 50 mil escolas receberam a coleção desde 1998. Na compra feita pelo MEC em 2005, ela representava 30% - a maior parte - do total de livros de história escolhidos. A opção pelo livro é feita pelos próprios professores a partir de um guia do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do MEC. Nele, há uma avaliação de especialistas de universidade federais contratados para o serviço. "Esse livro é o maior sucesso do mercado editorial didático dos últimos 500 anos", diz o editor da Nova Geração, Arnaldo Saraiva. Ontem, a editora e o autor divulgaram carta conjunta sobre o artigo do jornalista Ali Kamel publicado no jornal O Globo, na terça-feira (reproduzido na pág. A2 desta edição), que transcreveu trechos da coleção. "Não publicamos livros para fazer crer nisso ou naquilo, mas para despertar nos estudantes a capacidade crítica de ver além das aparências e de levar em conta múltiplos aspectos da realidade", diz o comunicado. Procurado, Schmidt não quis dar entrevistas. A coleção, com livros para alunos de 5ª a 8ª séries, menciona que a propriedade privada aumenta o egoísmo e o isolamento entre as pessoas e que o Movimento dos Sem-Terra (MST) se tornou um importante instrumento na luta pela justiça social no Brasil. Além disso, critica o acúmulo de capital da burguesia e faz elogios ao regime cubano (veja trechos acima). No comunicado divulgado ontem pelo autor e pela editora, eles afirmam haver também no livro trechos que falam de maneira crítica sobre o socialismo e o comunismo. "A URSS era uma ditadura. O Partido Comunista tomava todas as decisões importantes. (...) Quem criticava o governo ia para a prisão", informa a publicação para a 8ª série. "O problema do livro do Schmidt é que ele não propõe um debate historiográfico, além das incorreções e do preconceito", afirma o professor de metodologia de ensino de história da pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Alexandre Godoy. Ele diz ainda que as incorreções identificadas pela equipe de avaliação do PNLD na coleção Nova História Crítica, como "erro conceitual", "doutrinação ideológica" e "incoerência metodológica" também aparecem na maioria dos livros didáticos recomendados pelo MEC. "Não existe um livro ideal, livre de ideologia", afirma Godoy. Para a docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Silvia Colello, não se pode pensar que somente a posição ideológica pode ter orientado a escolha dos professores pelo livro. "Critérios como divisão e sugestão de exercícios costumam ser levados em conta." Para ela, o maior problema do ponto de vista educacional é a propaganda ideológica, porque a escola deve ser um espaço para os alunos formarem consciência histórica. "Eles têm de conhecer os fatos para compreender o mundo e a própria vida." "Esse autor é bem aceito nas escolas porque tenta uma aproximação com a linguagem adotada pelos jovens, mas acaba caindo em uma abordagem rasa", diz a pedagoga e autora do livro de história da Série Brasil, da Editora Ática, Maria Lima. Sua tese de doutorado na USP discutia justamente as relações entre língua escrita e consciência histórica em produções textuais para crianças e adolescentes. Para ela, o maior problema da coleção Nova História Crítica é a superficialidade. Além disso, ela acredita que o autor peca ao tentar brincar com algumas informações importantes e a ironia não fica clara. Na página 65 do livro da 8ª série, por exemplo, a legenda de uma imagem é a seguinte: "Crianças levam flores para o doce papai Stalin. ?Salve a infância!? Obra de propaganda do governo soviético." No trecho, faltam elementos para explicar a ironia, o que pode prejudicar uma compreensão crítica dos alunos, acredita. TRECHOS Página 65: "A propriedade privada separava mais ainda as pessoas uma das outras. Porque um grupo de pessoas tinha boas propriedades e vivia bem, e as outras ficavam com poucas coisas e viviam mal. A propriedade privada aumentava o egoísmo e o isolamento entre as pessoas" Página 191: "O MST tornou-se um importante instrumento na luta pela justiça social no Brasil do começo do séc. XXI. Seu objetivo é simples: a reforma agrária. Ou seja, terra para quem trabalha no país onde há tanta terra nas mãos de quem não trabalha" Página 109: "E como foi que a burguesia inglesa conseguiu acumular tanto capital? Financiando os ataques corsários (piratas), traficando escravos, emprestando dinheiro a juros, pagando salários miseráveis... Vencendo guerras, comerciando, impondo tratados..." Página 225: "Cuba é um país pobre que conseguiu bons resultados no campo da educação e da saúde. Por que o Brasil, que tem uma economia mais industrializada e uma renda per capita superior à cubana, ainda não alcançou esses resultados?"

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