Reposição de testosterona: modismo ou necessidade?

Cada vez mais homens acima de 40 anos recorrem à reposição de testosterona para recuperar o vigor físico e mental, mas são poucos os que realmente precisam de suplementação

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Por Gabriela Carelli
Atualização:

Fadiga extrema, dificuldade de concentração, oscilações de humor, melancolia, desânimo, sobrepeso, insônia, perda de potência, diminuição do interesse sexual. Se você é homem, tem mais de 40 anos e apresenta três ou mais desses sintomas pode estar sofrendo de Low T (Baixa T, em inglês), uma queda significativa da testosterona, o principal hormônio masculino.

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Ou, muito provavelmente, não - não tem doença nenhuma. Como a maioria dos mortais com 40, 50 anos, apenas está sobrecarregado. Trabalha como um condenado para pagar as contas no fim do mês, enfrenta um trânsito desumano para ir e vir do serviço, dorme e come mal e não tem tempo sequer para ficar com a família e com a esposa - quanto mais para ir a uma academia perder os quilos extras que ganhou com os anos! Tem vários dos problemas listados no parágrafo acima - por causa do estilo de vida e dos hábitos nada saudáveis, não por questões meramente hormonais.

Culpar o declínio hormonal pela falta de vigor físico e mental na meia idade parece ter virado “moda” entre os representantes do sexo masculino (e seus médicos). O montante de homens “descompensados hormonalmente” cresce de forma exponencial. Nos Estados Unidos, país conhecido por lançar tendências planetárias na área da saúde, são verificados (assombrosos) 480 mil novos casos de Low T por ano - e as prescrições de testosterona mais que triplicaram em dez anos. Estima-se em 8 milhões o número de americanos que faz reposição hormonal. O Brasil segue a trilha. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apontam um aumento de 55% nas vendas de produtos com o hormônio entre 2004 e 2012. Só nos últimos três anos, o salto foi de 30%.

O suposto modismo da Low T já chamou a atenção do FDA, órgão do governo americano que fiscaliza remédios e alimentos. Há duas semanas, a agência lançou um alerta sobre o aumento do risco de derrames e de problemas cardíacos em pacientes que fazem uso desnecessário de produtos com testosterona. “Basta uma análise rápida dos números para se notar que existe muita gente tomando testosterona. E é bem possível que a maioria esteja fazendo isso sem necessidade”, diz o urologista Daniel Zylbersztejn, de São Paulo. Apenas 15% dos homens entre 50 e 60 anos realmente precisam de mais hormônio na circulação sanguínea”, pondera. 

A produção de testosterona, principal hormônio masculino, atinge o seu ápice aos 20 anos. Os níveis se mantêm estáveis (entre 300 e 900 nanogramas por decilitro de sangue) até os 30 anos, quando começam a cair cerca de 1% ao ano. Essa queda ganhou o nome de andropausa, a versão masculina da menopausa. Os dois processos bioquímicos ocorrem em homens e mulheres a partir dos 40 anos. Para elas, a queda hormonal é brusca e não há como fugir do tormento: todas estão fadadas a sofrer com as consequências desse desequilíbrio. No caso deles, o declínio é lento e não afeta a todos da mesma maneira. Pelo contrário, poucos sentem de fato a diminuição da testosterona. 

Culpar o declínio hormonal pela falta de vigor físico e mental na meia idade parece ter virado “moda” entre os homens e seus médicos Foto: Anthony Catalano/Creative Commons

Afinal, a Low T é uma condição que precisa de tratamento ou é apenas um processo natural, consequência do envelhecimento? A resposta certa é: as duas coisas. Os críticos da reposição de testosterona argumentam que grande parte dos homens que optam pela terapia não passam de cinquentões inseguros em busca de um elixir da juventude, ao contrário das mulheres, que realmente sofrem com a menopausa. 

Isso é apenas meia verdade. A Low T é, sim, um fenômeno atrelado à idade - e, para muitos homens, é realmente difícil perceber que a virilidade de outrora está se esvaindo. Mas não é por isso que não necessita de tratamento algum. O climatério feminino também é decorrente do envelhecimento - e muitas vezes requer terapias para diminuir os efeitos colaterais do processo (que incluem, além das ondas de calor, secura vaginal e tristeza, doenças como cardiopatias, derrames, osteoporose e outras que surgem com os anos).

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Feita de forma correta, a reposição hormonal melhora a vida das mulheres. O mesmo acontece com a Low T. Apesar de mais branda, deve ser tratada, se houver necessidade. 

A maioria dos especialistas prescreve a reposição hormonal para homens com quantidade de testosterona no sangue inferior ao limite mínimo (240 nanogramas por decilitro) e com vários sintomas associados (cansaço, perda de concentração e memória, insônia, dificuldade de ereção, acúmulo de gordura, etc). Quem está abaixo do limite mínimo, mas não sofre os efeitos da Low T, muitas vezes não precisa de tratamento. Outro grupo de médicos, minoria, acredita que o hormônio deve ser ministrado, em doses pequenas, para suprir a perda decorrente da idade mesmo quando os níveis estão dentro da normalidade para  evitar o surgimento de doenças crônicas, como diabete tipo 2, e melhorar a qualidade de vida de homens mais velhos. 

Divergências à parte, ambas as correntes concordam que a reposição hormonal não deve ser feita em homens com suspeita de câncer de próstata ou mama, apneia  e insuficiência cardíaca grave. "Como em tudo na medicina, é preciso evitar generalizações. Cada caso é sempre único e deve ser analisado com cautela", diz Zylbersztejn.

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