Entre o baile e terreiro, sagrado e ‘profano’, MC Tha lança EP com músicas já gravadas por Alcione

‘Meu Santo é Forte’ traz vivências de religiões afro-brasileiras por meio do funk: ‘É um desdobramento contemporâneo dos pontos de terreiro’

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Por Bárbara Correa
Atualização:
MC Tha lança novo EP Foto: Rodrigo de Carvalho

Aconteceu nesta quinta-feira, 30, o que MC Tha descreveu como “uma grande celebração”, o show de lançamento de seu EP Meu Santo é Forte. O trabalho da cantora foi lançado no dia 28 de junho e conta com cinco composições já entoadas pela voz de Alcione

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Na obra, Tha apresenta um mergulho profundo em pesquisas e vivência com as religiões afro-brasileiras, mesclando estéticas e ritmos de um jeito original, atual e genuíno, por meio do funk, tambores e pontos cantados. 

Em entrevista ao Estadão, a artista explicou que esse lançamento é uma continuidade ao trabalho da veterana: “Ela tem uma obra incrível nesse recorte afro-religioso que poucas pessoas talvez conheçam atualmente. Trazer essas canções dela, que em 1970 já pedia Agô para Exú, repensadas a partir do raciocínio contemporâneo do funk é dar continuidade”. 

“Pensamos numa continuidade delas por meio da MC Tha que é essa figura que, às vezes, brinco que é minha ancestral do futuro. O trabalho foi produzido por Mahal Pita e talvez o maior contraponto foi entender o tempo e limite dessas músicas, entender que era um encontro de dois tempos e não somente uma atualização”, afirma.

As composições selecionadas para guiar tais propostas foram São Jorge, Figa de Guiné, Corpo Fechado, Afrekete (produzida por MU540) e Agolonã, lançadas originalmente entre as décadas de 1970 até os anos 2000 – as três primeiras, respectivamente, ganharam na nova versão um coro especial da Comunidade Jongo Dito Ribeiro.

Saberes ancestrais

Essa não é a primeira vez que MC Tha traz para os palcos seus saberes do terreiro. Em 2019, ela lançou o álbum Rito de Passá que, atualmente, a artista diz “se banhar” para o novo EP. 

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“O álbum é importante porque reúne todas as minhas facetas que ali cabia (tem outras). É bonito entender que ele vai sempre estar me guiando para os novos caminhos musicais. O EP Meu Santo é Forte, por exemplo, se deu a partir da faixa Rito de Passá, como se eu e Mahal déssemos um zoom naquele universo para explorar. Rito de Passá é um guia, um ritual que sempre vou me banhar”, comenta. 

Tha explica que sua relação com a religião começou dentro da igreja, porque precisava ficar com a avó enquanto a mãe trabalhava e que, no bairro que foi criada, Cidade Tiradentes, em São Paulo, as religiões de matrizes africanas eram bem estigmatizadas.

“Eu passei a frequentar um terreiro de umbanda há uns 6 anos. Fui porque desde pequena eu me sentia sensível para alguns fenômenos espirituais e lembro que até dentro da igreja eu, pequena, entendia que ali não seria o lugar que ia me ajudar, pensava isso e pedia perdão a Jesus. Hoje sou médium desse terreiro e trabalho com meus guias prestando apoio espiritual a quem precisa gratuitamente”, conta.

O Funk como desdobramento

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Justamente para combater esse estigma, a artista afirma que o intuito do seu trabalho é compartilhar a vivência dentro de um terreiro “para desmistificar os vários discursos que a sociedade ainda usa de arma contra essas comunidades afro”. 

Nesse contexto, a cantora reitera que o funk faz parte das músicas afro e, segundo ela, essa é a base da maioria das canções consideradas como “músicas brasileiras”. “Entendo o funk como um desdobramento contemporâneo desses toques, melodias e até energia que passa pelos pontos de terreiro ou toques tradicionais. Embora uma coisa seja tão sagrada e outra tão profana”, explica. 

“Mas o funk também é sagrado, em algum lugar, ele consegue mudar vidas dentro das favelas e periferias e, embora o contexto das letras, na ideologia de ser funkeiro, valores como Deus, família, os parceiros e a abundância são bastante fortes, tudo que também vemos dentro do terreiro”, conclui.

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Clima Quente Show

Além do EP, MC Tha apresenta o programa Clima Quente Show, com a direção de Rodrigo de Carvalho e Vitor Nunes. Nele, a cantora recebe artistas em desenvolvimento na cena atual da música brasileira e apresenta as canções de Meu Santo é Forte

De forma fictícia e com um roteiro descontraído desenvolvido pela cantora, o trabalho visual cria uma realidade em que o tempo se mistura e deságua na possibilidade de imaginar uma Alcione da época do programa Alerta Geral – onde recebia personalidades e sambistas em plena TV aberta – nos dias atuais.

“Minha obra é muito atrelada ao audiovisual, basicamente todas as músicas têm clipes. Para este projeto, entendi que não fazia sentido ter clipe e sim que seria mais interessante criar um espaço que eu pudesse apresentar as músicas e situar um pouco as pessoas a respeito do projeto. E nas minhas pesquisas, vi que a Alcione apresentava um programa mensal na década de 1970 e daí tudo se deu”, conta. 

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