'Ao longo desse ano, sonhei muito com o Boechat', conta Eduardo Barão

Morte de Ricardo Boechat completa um ano nesta terça-feira, 11; relembre momentos de sua carreira e depoimento de seu colega de programa

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Por André Carlos Zorzi
Atualização:
Ricardo Boechat ao lado de Eduardo Barão durante a cerimônia de abertura da Olimpíada do Rio em 2016. Foto: Twitter / @radiobandnewsfm

O dia 11 de fevereiro de 2019 ficou marcado no jornalismo brasileiro pela perda de um de seus representantes mais queridos pelo público: Ricardo BoechatO presentador estava em um helicóptero que caiu em cima de um caminhão, próximo ao acesso à Rodovia Anhanguera, na chegada a São Paulo. O piloto Ronaldo Quattrucci também morreu no acidente.

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O E+ conversou com Eduardo Barão, amigo e colega do jornalista e um dos autores do livro Eu Sou Ricardo Boechat, também escrito por Pablo Fernandez.

"Ao longo desse período de um ano, eu sonho muito com ele, muito mesmo. E quase sempre, nos sonhos, ele aparece vivo. Como se tivesse sido uma pegadinha. A grande notícia que eu queria que ele tivesse dado é que não aconteceu o que aconteceu", conta. "Em vários momentos eu queria saber o que ele pensaria sobre aquele assunto. Porque nem sempre ele ia como todo mundo ia. Às vezes ele via coisas onde ninguém via", reflete Barão, um ano após a morte do amigo.

Mesmo com a seriedade com a qual estava acostumado a apresentar o Jornal da Band, na TV, e a ser âncora da rádio Band News, no rádio, Boechat também é lembrado pelo bom humor de diversos momentos que foram ao ar. Após um reportagem falando sobre calvície, por exemplo, reapareceu na tela com a careca encoberta por uma chamativa peruca, e prosseguiu o encerramento do telejornal normalmente.

Em outra ocasião, durante a repercussão da notícia de que Mia Farrow deu indícios que Frank Sinatra poderia ser pai de um de seus filhos, e, procurado, o rapaz informou que "qualquer um de olho azul nos Estados Unidos poderia ser filho de Frank Sinatra", Boechat ligou no ar para sua mãe, dona Mercedes. "Mãe, me diz uma coisa: eu posso ser filho do Frank Sinatra?", questionou Boechat, aproveitando o fato de também ter olhos azuis. "Quem? Aquele mafioso?!", respondeu a argentina, sem saber que os ouvintes também a escutavam. Desde então, sempre que ela precisava falar de assuntos mais reservados, perguntava ao filho se ele "estava gravando".

Filho de um diplomata, Boechat nasceu em Buenos Aires, na Argentina, em 13 de julho de 1952, mas logo veio ao Brasil. Iniciou sua trajetória no extinto Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, e ao longo da carreira, trabalhou em jornais como o Estado, O Globo, O Dia e a revisa Istoé, e chegou até mesmo a trabalhar com o colunista social Ibrahim Sued na década de 1970. Seu rosto ficou conhecido nacionalmente na década de 1990, quando tinha uma coluna no Bom Dia Brasil, telejornal da TV Globo.  Em junho de 2001, porém, foi demitido após a revista Veja divulgar uma conversa entre Boechat e Paulo Marinho, assessor de Nelson Tanure, aliado da TIW, que à época brigava pelo controle de duas empresas de telefonia celular (leia mais aqui).

Anos depois, em 2004, foi contratado pelo Grupo Bandeirantes, onde começou como comentarista nos telejornais da emissora. Em fevereiro de 2006, com a saída de Carlos Nascimento para o SBT, Ricardo Boechat foi escolhido para substituí-lo no Jornal da Band, ao lado de Joelmir Beting e Mariana Ferrão, posto que ocupou até o fim da vida.

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O jornalista ganhou três prêmios Esso, o mais importante da área. O primeiro deles foi em 1989, pela Agência Estado, em uma reportagem sobre corrupção na Petrobrás. Os demais foram em 1992,na categoria Informação Política, e em 2001, na categoria Informação Econômica (clique aqui para ler mais).

Ricardo Boechat, ao lado de Bernardo de la Peña e Chico Otavio, recebe o Prêmio Esso de Informação Econômica por 'Sinal Verde para o Contrabando', do jornal 'O Globo', em dezembro de 2001. Foto: Tasso Marcelo / Estadão

Ricardo Boechat também se envolveu em polêmicas, como quando ofendeu o pastor Silas Malafaia, em junho de 2015, ou o senador Roberto Requião, em maio de 2011.

Durante a cobertura do incêndio no Ninho do Urubu, CT do Flamengo, em 2019 (clique aqui para relembrar), três dias antes de sua morte, Boechat discutiu com uma funcionária da Band News enquanto seu microfone estava desligado, mas as imagens estavam sendo transmitidas em vídeo pelas redes sociais do programa.

"Já fiquei p*** desse jeito umas 38 vezes e fiacria outras tantas. Dei esporro geral. Era uma situação dramática e ao vivo. Se pisou na bola, o couro come, mesmo. É o grau de tensão natural. Ouvir discussão dentro de redação, esporro de chefe... Quantos na vida eu tomei e quantos eu dei", justificou, à época, ao Uol.

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Morte de Ricardo Boechat

"Lembro perfeitamente. Confesso para você que, até hoje, é algo que me toca muito. Ainda está muito claro na minha cabeça, não gosto de falar", conta Barão sobre o dia 11 de fevereiro de 2019. À época, ele apresentava o telejornal da Band News entre as 12h e as 14h, e deu a notícia de uma queda de helicóptero. "Quando chega a primeira informação, você não tem a menor ideia de quem está a bordo da aeronave", conta. "Passa alguns segundos e alguém entra no ponto eletrônico: 'Barão, é para você sair do ar agora'. Eu estava no meio do jornal. Na minha cabeça veio algo com meus filhos. Sei lá, meu filho caiu e quebrou a mão, bateu a cabeça, alguém da escola ligou, algo assim", relembra.

VEJA TAMBÉM: Relembre personalidades que morreram em 2019

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O jornalista recebeu, então, a notícia da morte de Boechat, na porta do estúdio. Pouco depois, mesmo com o choro, foi à rádio Band News onde participou da transmissão que anunciou a morte do apresentador na emissora em que trabalhava, ao lado de Sheila Magalhães, diretora, que deu a notícia, e Carla Bigato. Na Band, José Luiz Datena foi o responsável por dar a notícia da morte de Boechat.

"Foram momentos terríveis. Esse dia, o dia seguinte, a semana seguinte e, infelizmente, agora de novo, quando essa data completa um ano. Por mais que não tenha nada, já aconteceu, o lado emocional acaba sendo tocado de alguma forma", afirma Barão. O jornalista ainda elogia a postura da maior parte da imprensa no dia da morte de Boechat: "seguraram a informação até que a notícia chegasse à família".

Diversos clubes de futebol lamentaram a morte de Ricardo Boechat, um fã do esporte e torcedor do Flamengo que também tinha sua simpatia por outros clubes como a Portuguesa de Desportos e o América-MG.

Inúmeros artistas, apresentadores, e até mesmo políticos também se pronunciaram após a perda do apresentador. Entre eles, o presidente da República, Jair Bolsonaro, que afirmou ter uma "amizade de 30 anos com Ricardo Boechat". "Não amizade de tomar cerveja, bater um papo, ir no futebol, uma amizade jornalística. Passamos muitos momentos juntos. Por vezes, sendo obviamente contrariado por ele, na maioria das vezes, sendo elogiado. Morre comigo, também, um pedaço do Ricardo Boechat. De vez em quando falava nos programas dele do apelido 'Jacaré', eu que botei nele, porque ele gostava de falar, vivia de boca aberta, no bom sentido", contou Bolsonaro.

Além disso, inúmeros taxistas da cidade de São Paulo prestaram suas homenagens a Ricardo Boechat, inclusive em seu velório, realizado no MIS (Museu da Imagem e do Som).

Meses depois, no Rio de Janeiro, a Praça Ricardo Boechat recebeu seu nome, em homenagem póstuma.

Taxistas fizeram homenagens para Ricardo Boechat no dia de seu velório. Foto: Tiago Queiroz / Estadão

A generosidade de Ricardo Boechat

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O livro Eu Sou Ricardo Boechat, lançado em dezembro de 2019 e escrito por Eduardo Barão e Pablo Fernandez, com quem Boechat trabalhou em sua coluna na Istoé, trouxe 100 histórias envolvendo Ricardo Boechat, ligadas ou não com seu lado profissional. Entre elas, diversos casos de pessoas às quais Boechat auxiliava financeiramente.  "Conseguia lugar em hospital, bolsas, ou ele mesmo pagava do próprio bolso faculdade para jovens carentes. Depois que aconteceu a tragédia, a Veruska foi no banco e a gerente mostrou um monte de pagamentos que ele fazia mensalmente para uma série de pessoas, que ele nunca falou para ninguém", relata Barão.

"Ele tinha opinião forte, defendia os direitos das pessoas, era um cara muito visceral no ar. Ele não era só o jornalista que brigava no ar por isso. Ele, de fato, agia com gestos inacreditáveis", prossegue.

Ricardo Boechat ao lado de sua esposa, a 'Doce Veruska', como ele a chamava, durante cerimônia do casamento entre Joesley Batista e Ticiana Villas Bôas, em maio de 2012. Foto: Juan Guerra / Estadão

"A perda é ainda é algo muito presente na minha vida. Esse livro foi até uma forma de exorcizar um pouco isso. Eu dava risada quando lembrava das histórias, chorava... Foi uma tentativa de colocar um ponto final, quase uma terapia. E, claro, não deixar a imagem dele ser esquecida de forma breve", conclui.Eu Sou Ricardo Boechat que também conta com um texto da viúva do jornalista, Veruska, e outro de sua mãe, Mercedes. Em junho de 2019, outro livro foi lançado em homenagem a Ricardo Boechat, o Toca o Barco, que conta com depoimentos de 32 profissionais que trabalharam com o jornalista (clique aqui para ler mais).

Relembre alguns textos sobre Ricardo Boechat publicados pelo Estadão:

+ O legado de Boechat

+ A morte de Boechat na imprensa internacional

+ Boechat foi um jornalista à antiga, mas não um jornalista antigo

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+ Boechat: destemido e independente

+ A magia do rádio na voz de Boechat

+ Em último comentário ao vivo, Boechat lamentou sucessão de tragédias

+ Colegas da Band criam 'Cantinho do Boechat' onde jornalista costumava fumar e ler

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