Vocabulário feminista: conheça dez termos importantes para o movimento

Mansplaining, micromachismo e cultura de estupro são exemplos de expressões comuns para o feminismo

PUBLICIDADE

Por Bárbara Pereira
Atualização:
Feminismo é o movimento que valoriza a igualdade social, políticae econômicaentre homens e mulheres. Foto: Unsplash/@travelpen

De acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, feminismo é o “movimento ideológico que preconiza a ampliação legal dos direitos civis e políticos da mulher ou a igualdade dos direitos dela aos do homem”.

PUBLICIDADE

Historicamente, os primeiros indícios do movimento remontam ao fim do século 19, quando mulheres começaram a repensar seu papel na sociedade e a reivindicar igualdade de direitos. “Uma das questões que ganhou bastante popularidade foi a organização do movimento sufragista, que lutava pelo direito das mulheres em votar e ser eleita. Apesar do envolvimento de muitas mulheres a essas causas, poucas foram as repercussões no momento”, destaca Mirtes de Moraes, doutora em História Social e pesquisadora de questões de gênero.

Muitos fatores mudaram desde o começo do feminismo, mas ainda há questões importantes que precisam ser abordadas. Aos principiantes no assunto, reunimos dez termos essenciais do vocabulário feminista para entender sua amplitude.

Mansplaining

O termo mansplaining fez sucesso com a publicação do livro Os Homens Explicam Tudo Para Mim, escrito por Rebecca Solnit. O ensaio começa com uma experiência vivida pela própria autora, em que "um homem passou uma festa inteira falando de um livro que 'ela deveria ler', sem lhe dar a chance de dizer que, na verdade, ela era a autora", como traz a própria descrição do livro.

Dessa forma, mansplaining é o termo usado para descrever um homem que tenta explicar algo a uma mulher, assumindo que ela não entende sobre o assunto - implicitamente, essa atitude subestima a inteligência da mulher. A palavra foi criada a partir da junção entre man (homem) e explain (explicar), em inglês.

Em 2010, o termo "mansplainer" entrou para a lista das palavras do ano eleitas pelo jornal The New York Times. À época, ainda pouco conhecida, o veículo a descreveu como "um homem forçado a explicar ou dar opinião sobre tudo - especialmente para uma mulher".

Manterrupting

Muitas vezes, o termo manterrupting anda ao lado do mansplaining, algo bem visível no vídeo publicado pelo Porta dos Fundos. Essa atitude consiste em interromper a mulher diversas vezes, de forma com que ela não consiga concluir a própria frase. O termo popularizou após um estudo da Universidade de Yale evidenciar que senadoras americanas se pronunciam significativamente menos do que seus colegas masculinos de posições inferiores.

Publicidade

"Eu estava conversando com um amigo e ele me perguntou qual era a diferença entre feminismo radical e liberal. Eu comecei a falar e nos primeiros três segundos ele já me interrompeu. Eu continuei tentando explicar e toda vez que eu avançava um pouco, ele me interrompia pra falar que já sabia ou para complementar alguma coisa", relata a estudante Antônia Martins.

Incomodada com a situação, a jovem de 19 anos explicou ao amigo como essa atitude reforçava o comportamento machista e, principalmente, como a masculinidade pode ser tóxica e frágil: "É um medo tão grande que ele começa a interromper só pra evitar a sensação de que uma mulher entende mais sobre x ou y do que um homem", pondera.

Os relatos de manterrupting são ainda mais comuns no mercado de trabalho, onde Karen** se deparou com uma situação desagradável. Na ocasião, ela era estagiária e apresentava um projeto ao dono da empresa quando foi interrompida inúmeras vezes por seu supervisor, que também estava na sala, mas não havia feito parte da elaboração do projeto. "Eu fiz tudo sozinha, mas ele me interrompia o tempo todo com informações falsas. Ele tentava explicar o que eu havia feito", compartilha.

Manspreading

Uma das maiores queixas feitas por mulheres que fazem uso de transporte público é o hábito de homens abrirem as pernas quando estão sentados. Essa atitude leva o nome de manspreading, de acordo com o vocabulário feminista.

PUBLICIDADE

Em 2018, um vídeo feito pela estudante russa Anna Dovgalyuk viralizou nas redes sociais. Nas imagens, a jovem joga uma mistura de água com alvejante nas partes íntimas de homens que estavam sentados com a perna aberta no metrô de São Petersburgo, na Rússia. O vídeo foi removido do YouTube por violar a política da rede social.

Gaslighting

Apesar do termo gaslighting não ser exclusivo do movimento feminista, ele é frequentemente comum em situações em que a vítima é mulher. A palavra é usada para descrever a manipulação psicológica na qual o agressor faz a vítima questionar sua própria inteligência, memória ou sanidade.

"Quem manipula tenta desqualificar as percepções do outro e busca levar a pessoa a não acreditar em si mesma. Ditos como 'você está surtando', 'você está exagerando' ou 'você está louca' podem ser indicativos deste processo. Para saber se está sendo alvo de um manipulador, basta observar o que vem se repetindo na relação", indica a psicóloga Marília Saldanha, especialista em psicologia social.

Publicidade

No fim do século 19, as mulheres passaram a repensar seu papel na sociedade e a reivindicar igualdade de direitos. Foto: Unsplash/@timmossholder

Micromachismo

O termo micromachismo pode ser atribuído a todas as atitudes de discriminação em relação às mulheres que são perpetuadas diariamente, de tal forma que fazem parte do cotidiano, passam despercebidas e são até mesmo aceitas pela sociedade.

Em 1971, com o livro Mística Feminina, a autora Betty Friedan questionou a propagação do modelo de vida da família americana, em que mulheres seriam felizes apenas pela função de esposa e dona de casa. No caso citado pelo livro, o micromachismo situa-se na suposição de que a mulher tem maior aptidão para tarefas domésticas do que o homem.

"Friedan buscou dados mostrando que muitas dessas mulheres se viam numa crescente insatisfação com sua vida monótona. Segundo a autora americana, as mulheres desde sempre aprenderam que seu lugar era em casa cuidando do marido, da casa e de seus filhos, não possuindo em contrapartida um lugar em outros espaços. A fala de Betty trouxe um discurso de empoderamento feminino nos espaços públicos", relaciona a pesquisadora Mirtes.

Objetificação

Quando ocorre uma banalização da imagem da mulher, em que a aparência importa mais do que outros aspectos, tal atitude leva o nome de objetificação do corpo feminino. Um exemplo que ilustra esse termo muito bem são as campanhas publicitárias, especialmente as de cerveja. As mulheres são hipersexualizadas e seu corpo é utilizado como objeto para incentivar a venda do produto.

"Eu estava em uma festa com minha namorada quando um outro homem quis ficar com ela. Ela negou, disse que estava acompanhada, mas o rapaz insistiu. Nesse momento, quando volto do banheiro e encontro os dois, ele me pede desculpas". O ocorrido com Vitor** ilustra bem o significado de objetificação do corpo feminino: ao pedir desculpas para o namorado, o rapaz atribui à mulher a simples função de objeto do homem, quando na verdade é ela que merece uma retratação.

Patriarcado

A palavra patriarcado, de acordo com o dicionário grego, significa "a regra do pai" ou "pai de uma raça". Dessa forma, representa um sistema em que homens heterossexuais predominam em posições de liderança.

"As relações de gênero são um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças hierárquicas que distinguem os sexos, e são, portanto, uma forma primária de relações significantes de poder", explica Mirtes, pesquisadora sobre o tema.

Publicidade

É importante não confundir feminismo com femismo: ofeminismo prega a igualdade entre gêneros, enquanto o femismo classifica a mulher como superior ao homem. Foto: Unsplash/@tinymountain

Cultura do estupro

Apesar de ser um termo antigo, "cultura do estupro" tornou-se comum no nosso vocabulário com o recente aumento dos casos de abuso sexual nos últimos anos. Em 2016, por exemplo, uma adolescente foi estuprada por 33 homens no Rio de Janeiro. O caso chocou pela frieza e brutalidade dos agressores, que publicaram vídeos e fotos do ato em redes sociais.

A luta contra a "cultura de estupro" reforça a ideia de que tais comportamentos não podem ser interpretados como normais, já que cultura implica em algo criado pela sociedade e passível de mudanças. Frases como "a vítima estava bêbada" ou "a vítima usava roupas curtas" enfatizam a tentativa de transformar a mulher em culpada por um crime do qual foi vítima, além de silenciar a violência sexual.

De acordo com o Atlas da Violência publicado em 2018, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 68% dos estupros foram realizados contra menores de idade, sendo que quase um terço dos agressores das crianças são amigos e conhecidos da vítima e outros 30% são familiares próximos.

Feminicídio

O feminicídio é o homicídio praticado pelo fato da vítima ser uma mulher. Nesse caso, a violência doméstica ou familiar, o menosprezo, ou a discriminação contra a condição da mulher são fatores que elevam a condição de homicídio a feminicídio.

De acordo com um levantamento feito pelo Estadão Dados com base em boletins de ocorrência da Secretaria de Segurança Pública (SSP), em média, uma mulher é vítima de feminicídio no Estado de São Paulo a cada dois dias e meio. Em 2015, a Lei do Feminicídio transformou esse tipo de homicídio em crime hediondo, com pena de 20 a 30 anos de reclusão e que pode ser aumentada em determinados casos. Mesmo com as mudanças na lei, o Brasil ainda ocupa a 5ª posição na lista de países com as maiores taxas de homicídio de mulheres.

Misoginia

Por misoginia, entendemos como a repulsa, desprezo ou ódio contra as mulheres. Essa aversão ao sexo feminino está diretamente relacionada a todos os outros termos aqui apresentados. Feminicídio, patriarcado e objetificação da mulher, por exemplo, são consequências diretas da misoginia e refletem o preconceito com a mulher.

No livro O Conto da Aia, publicado em 1985, a autora Margaret Atwood traz uma realidade distópica marcada por completa misoginia. As mulheres passam a ser submissas aos homens, perdem todos os direitos e são divididas em castas. Apesar de se ambientar no futuro, a obra mostra como as decisões sobre o corpo feminino ainda são tomadas pelos homens.

Publicidade

* Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

** Nome fictício a pedido do entrevistado