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‘Usar a internet reduz nossa vontade de nos desafiar mentalmente’, diz pesquisador

Embora a internet esteja, de alguma forma, ‘tomando’ o lugar da nossa memória, ela pode ser vista mais como benéfica do que prejudicial

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Por Ludimila Honorato
Atualização:
Ferramenta de busca do Google tenta ajudar publishers a conseguir mais receita Foto: FirmBee/Pixabay

Quantas vezes você acessou a internet hoje para procurar uma informação que você já tinha pesquisado antes? Ao precisar responder a uma pergunta, você tenta lembrar de memória ou vai direto no Google?

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Recorrer sempre à web nessas situações é um comportamento bem comum e mostra que usar a internet para acessar uma informação faz com que a utilizemos novamente no futuro para buscar outra informação. Foi o que apontou um estudo da Universidade da Califórnia em Santa Cruz (UCSC), nos Estados Unidos.

Os pesquisadores Sean Stone e Benjamin Storm dividiram os participantes em grupos e deram perguntas para que eles respondessem - primeiro um pouco difíceis e depois relativamente fáceis. Quem foi solicitado para responder ao primeiro bloco de perguntas usando a internet era mais propenso a usá-la de novo quando o uso era opcional do que quem respondeu de memória no começo.

Além disso, o chamado ‘grupo Google’ demorava menos tempo entre terminar de ouvir a pergunta e iniciar a pesquisa na internet, ou seja, eles levavam menos tempo consultando a própria memória.

Mas será que isso compromete nossa capacidade de memorização a curto ou longo prazo? “Pesquisas sobre descarga cognitiva têm oferecido alguma evidência de que uma informação percebida como acessível é mais propensa a ser esquecida do que uma informação percebida como inacessível”, explica Stone, doutorando em psicologia pela UCSC.

No entanto, o pesquisador acredita que confiar na internet pode ser mais útil do que prejudicial e que estamos melhores tendo acesso a ela do que se não tivéssemos.

Confira abaixo a entrevista que o E+ fez com o pesquisador Sean Stone.

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O estudo diz que usar a internet para acessar uma informação faz com que a pessoa seja mais propensa a usá-la posteriormente para acessar outra informação. Podemos dizer que isso é um vício? Eu não iria tão longe dizendo que esse comportamento é um vício. Parece mais uma tendência que os usuários de internet podem estar desenvolvendo como resultado de recuperar uma informação online. Pesquisas anteriores mostraram que, uma vez que nos tornamos familiarizados em usar certa estratégia para falar, resolver um problema ou pensar em uma solução, podemos nos tornar ‘aficionados’ nessa mesma estratégia para resolver problemas no futuro.

Em relação ao nosso recente trabalho, aqueles que responderam questões com a ajuda da internet se tornaram aficionados em usá-la para ajudar a responder questões adicionais comparadas com aqueles que, originalmente, responderam de memória. Curiosamente, eles também levaram menos tempo antes de usá-la do que aqueles que não foram, presumivelmente, condicionados a usá-la. É como se, quanto mais familiarizados em usar a internet para recuperar certos tipos de informação, mais contemos com isso para buscar essa informação no futuro.

Como a internet e os meios de armazenamento de dados têm mudado o comportamento das pessoas? Por um lado, a internet nos oferece acesso a uma incrível quantidade de informação - uma profundidade e amplitude de experiência que, até recentemente, nunca estiveram disponíveis. Isso não é surpresa, já que nós estamos constantemente reunindo informação online e ligando essa informação a outra. A internet fez com que o armazenamento e o compartilhamento de informação fosse mais fácil do que nunca. Por essa razão, ter acesso à internet, provavelmente, influenciará como nós priorizamos informação na mente e como nós escolhemos exercer nossas memórias em relação a isso.

Há alguma relação entre ter fácil acesso a informações na internet ou no celular com a dificuldade de memorizar a mesma informação? Pesquisas sobre descarga cognitiva têm oferecido alguma evidência de que uma informação percebida como acessível é mais propensa a ser esquecida do que uma informação percebida como inacessível. Ao salvar números de telefone no celular ou anotar um lembrete no calendário, é como se essa informação não fosse importante de ser lembrada.

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Esse comportamento parece ser estratégico, dado o tanto de esforço mental necessário para codificar e manter essa informação na mente. Se alguém assume que a internet sempre estará acessível, recuperar informação online pode reduzir o peso de precisar lembrar uma informação qualquer por si mesmo. Em contraste, se alguém ficou aficionado em usar a internet para obter informação e depois perdeu o acesso a ela, ele se verá incapaz de lembrar a informação que, previamente, tinha confiado à web. Felizmente, a internet continuará sendo uma fonte de informação acessível, porque o nosso mundo depende disso.

Esse hábito de sempre recorrer à internet para pesquisar alguma informação poderia afetar nossa capacidade de memorização a curto ou longo prazo? Ainda há muita pesquisa a ser feita antes que se faça qualquer afirmação sobre como a internet vai nos afetar a longo prazo. Uma possibilidade é que uma dependência excessiva da internet pode nos conduzir a descarregar muita informação para a web - potencialmente reduzindo nossa capacidade de usar essa informação ao pensar de forma flexível e criativa.

Dito isso, sinto como se a confiança na internet fosse mais útil do que prejudicial. A internet é, geralmente, mais confiável do que nossas memórias particularmente falíveis e contém informação nova e conflitante para nos ajudar a atualizar nosso conhecimento de mundo. Similarmente, parece que estamos muito melhores em ter a internet como um meio de comunicação do que não ter. Acho que se a internet continua sendo uma fonte de informação confiável, podemos ganhar muito mais do que perderemos confiando nela.

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Quais as implicações de não desafiar nosso cognitivo? No nosso recente estudo, vimos que aqueles que se tornaram mais familiarizados em recuperar uma informação online reportaram ter menor desejo de se engajar em um comportamento cognitivo desafiador. Esse achado sugere que usar a internet não só nos faz mais propensos a usá-la de novo no futuro como também reduz, temporariamente, nossa vontade de nos desafiar mentalmente. As consequências desse comportamento, porém, permanece uma pergunta aberta.

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