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Um transgênero transforma a Liga Feminina

Nenhum jogador ativo em um esporte de equipe profissional na América do Norte se assumiu publicamente como transgênero antes de Harrison Browne fazê-lo

Por Matt Higgins
Atualização:
The Buffalo Beauts' Harrison Browne, who played last season as Hailey Browne, scored in his team's season opener in the National Women's Hockey League Foto: Brendan Bannon/ The New York Times

Ele mudou a gravação do correio de voz e criou um novo endereço de e-mail. Atualizou também seu perfil no LinkedIn para refletir o novo nome.

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Com esses detalhes resolvidos e com a temporada da Liga Nacional de Hóquei Feminino (NWHL) prestes a começar, Harrison Browne, que nasceu Hailey Browne e se identifica como homem, estava pronto para estrear como o primeiro atleta abertamente transgênero nos esportes de equipe profissionais na América do Norte.

Browne, ala de 23 anos do Buffalo Beauts, ouviu seu novo nome pela primeira vez no alto-falante do Harbor Center durante as apresentações das jogadoras para a abertura da temporada no dia 7 de outubro, contra o Boston Pride. E o ouviu novamente quando marcou o único gol de seu time na derrota por 4 a 1.

"Se alguém no futuro me perguntar qual foi meu momento favorito, esse será definitivamente um dos melhores", disse Browne sobre o anúncio do gol - clipe de áudio que ele salvou. "Eu adoraria que tivesse sido o gol da vitória. Foi incrível ouvir a torcida comemorando tão alto. Fiquei impressionado. O momento foi perfeito."

Bruce Jenner, antigo campeão do decatlo Olímpico, revelou ser uma mulher transgênero chamada Caitlyn Jenner, em 2015. E o triatleta profissional Chris Mosier, que nasceu mulher, publicamente se identificou como homem transgênero em 2010 e competiu pela seleção nacional americana no campeonato mundial de duatlo, em junho. Há atletas transexuais em equipes universitárias também.

Mas nenhum jogador ativo em um esporte de equipe profissional na América do Norte se assumiu publicamente como transgênero antes de Browne fazê-lo em uma entrevista para a ESPN, publicada horas antes da abertura da temporada.

Browne levantou pesos com um colega de equipe Foto: Brendan Bannon/ The New York Times

"Quando Harrison disse para mim que queria que o fato fosse público e quis que seu nome e pronome fossem respeitados, jogando como seu eu autêntico, a primeira coisa em que pensei foi: 'Como posso apoiar esse jogador e quais são os próximos passos para que isso aconteça?'", disse Dani Rylan, comissária das quatro equipes da NWHL, agora em sua segunda temporada de existência.

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A NWHL mudou o nome e o pronome de Browne em seu perfil no site da liga. Além disso, fez parceria com a You Can Play, organização que trabalha para garantir que os atletas não sejam discriminados por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero, criando uma política sobre jogadores transgêneros que respeite os direitos dos atletas e as preocupações sobre o fair-play.

"É importante que tudo saia certo e estamos confiantes de que faremos tudo direitinho", disse Dani, que espera que a política entre em vigor nesta temporada.

Browne disse que ser um pioneiro não era um de seus objetivos.

"Quando me declarei, não foi tipo 'quero fazer isso para ser um defensor de direitos'. Quero fazer isso para me sentir confortável no meu próprio ambiente de jogo, no meu local de trabalho, porque esse é o meu trabalho. Esse foi o motivo. Vi todos os posts onde as pessoas dizem que sou uma inspiração, me agradecendo pelo que estou fazendo, por ser eu mesmo."

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Browne já havia contado tudo à sua família, amigos e colegas no segundo ano da Universidade do Maine, onde jogava hóquei feminino, mas continuou a ser conhecido publicamente como Hailey Browne, inclusive durante a temporada 2015-16 da NWHL, quando marcou cinco gols e fez sete assistências nos 18 jogos das Beauts.

"Apoiar uma companheira de equipe vai além do rinque. Harrison sempre foi um grande jogador do time. Precisamos apoiar sua decisão", disse Ric Seiling, gerente geral e técnico do Beuts, que jogou 10 temporadas da NHL.

Por enquanto, a mudança está apenas no nome. Ele disse que ele vai atrasar a transição física, incluindo tratamentos hormonais, deixando-a para depois que sua carreira no hóquei acabar. Até lá, Browne, com 1,63 metros de altura, terá que lidar com escorregadelas ocasionais.

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Por enquanto, a mudança de Browne é apenas de nome. Ele diz que vai adiar uma transição física, incluindo tratamentos hormonais, até após a sua carreira de hóquei terminar Foto: Credit Brendan Bannon/The New York Times

"Algumas pessoas me chamam de senhor, outras, de senhora. Não fico chateado com isso. Como poderiam saber? Você só tem que pensar que um dia não vai mais ser assim."

Em um treino recente com o Beauts, que tem agora uma vitória e três derrotas depois de perder no dia 23 de outubro para o Connecticut Whale, as companheiras de equipe descreveram Browne como um ala rápido, corajoso, que joga limpo. Defensor humilde do condicionamento físico, foi o líder da equipe com 20 flexões durante o teste de aptidão. Passa longas horas fazendo crochê nas viagens de ônibus do time e faz bastante barulho no vestiário.

Em casa, adora seus furões de estimação, disseram a zagueira Paige Harrington e a centroavante Devon Skeats, que partilham a casa com Browne.

"Ele é uma pessoa muito forte", disse Paige, que nunca havia conhecido uma pessoa transgênero antes. "E se sente confortável consigo mesmo. Trabalha duro. Encoraja os outros. É a pessoa perfeita para ser a primeira a se declarar transgênero no hóquei feminino."

Devon jogou na liga profissional feminina na Áustria, antes da NWHL, e tinha um companheiro de equipe transgênero, que já havia começado a transição física e recebia suplementos hormonais.

"Ele era meu melhor amigo lá. Por isso foi muito legal quando vim para cá e conheci Brownie."

E acrescentou: "É o que quer fazer, o que quer ser, e estou feliz por ele. Não há nada de diferente. É apenas mais um companheiro de equipe".

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Na longa tradição do hóquei, Devon e Paige se referem a Browne por um apelido: Brownie, o mesmo que teve na temporada passada. No Beauts, Harrison era raramente mencionado.

Ric Seiling disse que só chama Browne de Harrison quando está zangado.

"Para todos nós, Harrison é Brownie. Todas as jogadoras têm algum tipo de apelido, ou usam o sobrenome. Quando começo a usar um nome diferente, elas automaticamente sabem que pisaram na bola."

Mas, fora desse mundo, não há nenhuma conotação negativa para o nome Harrison, apenas uma vida pública e privada finalmente alinhadas e um som que ele gosta.

"Há pessoas como você dizendo, 'Ei, Harrison'. É bom ouvir as pessoas me chamando pelo meu nome. É libertador, sem dúvida."

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