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Quando se é pobre, tornar-se adulto é muito diferente

Estudantes que queriam fazer faculdade têm de se contentar com cursos médios de comércio, pela necessidade de ganho imediato

Por Emily Badger
Atualização:
 Foto: Pixabay

Acadêmicos têm uma expressão para definir os anos de expectativa entre a adolescência e a idade adulta - quando os jovens pensam em ser médicos e desistem; começam a trabalhar, mas o emprego não era bem aquilo; ou estagiam até não aguentar mais. É quando ainda estão formando sua identidade: Meu negócio é computador! Não, é antropologia! Não, é culinária!

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O psicólogo Jeffrey Arnett chama esse período exploratório de "idade adulta emergente". Mas essa fase crucial - que pode ser comodamente longa para os americanos mais favorecidos - não se aplica aos pobres. Eles não conseguem mantê-la financeiramente. 

É o caso dos adolescentes negros de Baltimore estudados em Coming of Age in the Other America (Tornar-se adulto na outra América), novo livro dos sociólogos Stefanie DeLuca, Susan Clampet-Lundquist e Kathryn Edin. Eles acompanharam a vida de 150 adolescentes de Baltimore, nascidos em projetos habitacionais decadentes e criados em meio à violência, até entrarem na faixa dos 20 anos.  "Tudo que a sociedade vê é que você tem 23 anos e deveria estar com a maldita vida definida, saca?" - disse aos pesquisadores Terry, cuja vida, por sinal, não está definida (os nomes foram mudados no livro). 

A sociedade, no entanto, não espera isso de jovens de 23 anos das classes média e alta. Eles geralmente têm tempo para definir carreiras e ganhar a vida, e são socorridos quando não conseguem. Os jovens adultos do estudo de Baltimore não têm essa folga: têm de sustentar irmãos mais novos quando pais drogados não sustentam, criar os filhos que já tiveram ou sobreviver à violência. Não ficam avaliando as possibilidades de vida para quando se tornarem adultos: entram diretamente nessa fase.

"A maior parte dos jovens de nosso estudo assume os riscos e responsabilidades da própria decolagem", escreveram os sociólogos. Só um quarto deles teve pais com educação secundária. As escolas de Baltimore que frequentaram são mal qualificadas em qualidade de educação. Não é surpresa, concluem os pesquisadores, que esses adolescentes entrem na idade adulta sem perspectivas. E, nessa transição, levem para a idade adulta todos os problemas que viveram como crianças e adolescentes. 

Estudantes que queriam fazer faculdade têm de se contentar com cursos médios de comércio, pela necessidade de ganho imediato. Os que sonhavam em ser médicos acabam sendo auxiliares de enfermagem. Outros, que gostariam de fazer carreira no setor de hotelaria, viram atendentes na rede de sanduíches de frango Chick-fil-A. 

Vistos de perto, esses jovens adultos lutadores são muito diferentes dos "desordeiros" criticados pelos comentaristas quando Baltimore explodiu em violência no ano passado (Stefanie DeLuca e seus coautores programaram o lançamento do livro para coincidir com o aniversário da morte de Freddie Gray, em parte na tentativa de corrigir o estereótipo). Eles têm muitas das aspirações de outros da mesma idade, mesmo aqueles que se desviaram para o tráfico de drogas e roubo de carro. Querem empregos que não os aborreçam. Querem criar os filhos em ruas seguras e praças para brincar. Mas a pobreza, problemas familiares e o lugar em que vivem os agarram "como caranguejos se agarram num balde", na descrição de uma jovem. 

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O mais doloroso é que mesmo os adolescentes que os pesquisadores consideravam mais cotados para a faculdade não chegaram lá (pelo menos ao fim do estudo de dez anos).  "Achávamos que eles poderiam entrar na Hopkins", disse Stefanie DeLuca em entrevista, referindo-se aalguns dos estudantes que se saíam muito bem no curso secundário. Dos 150 garotos/adolescentes objeto da longa pesquisa, só um concluiu um curso de graduação de quatro anos até o encerramento do projeto - um índice desencorajador que reflete estudo anterior, também de longo prazo, dos sociólogos Karl Alexander e Doris Entwisle. 

"Como explicar o que aconteceu?", pergunta Stefanie, socióloga da Johns Hopkins. "Falta de dedicação? De trabalho duro? Falta de dinheiro? Não, é mais complicado." Para muitos dos adolescentes, a falta de dinheiro é sem dúvida parte do problema. Eles não conseguem pagar a faculdade, ou imaginar-se estudando mais quatro anos para entrar no mercado de trabalho quando precisam de grana imediatamente. "Por que esperar anos para ser alguma coisa quando se pode fazer isso em um ano?", pergunta Crystal. Seu sonho era ser advogada. Preferiu um diploma de auxiliar de enfermagem. 

Muitos desses jovens adultos vivem em casas superlotadas por famílias de muitos membros, alguns lutando com vícios e desemprego. Daí a urgência de arrumar emprego para se mudar. Mas a mesma escassez de moradia a preço razoável que leva famílias a se espremerem numa casa também significa que é duro ganhar o bastante para se mudar. Ganhando um salário mínimo (ou dois) não dá para pagar aluguel e ao mesmo tempo frequentar escola. É um ou outro. 

Essa é outra escolha - continuar morando mal ou trabalhar em tempo integral para poder sair dali - que adolescentes mais favorecidos não têm de fazer. Bob, um dos jovens do estudo, desesperado para encontrar paz, sintetiza seu objetivo: "Gostaria de morar num lugar em que tivesse meu cadeado e chave."

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O mercado de emprego dá poucas opções a jovens na faixa dos 20 com pouca escolaridade. "Conheço 1 milhão de pessoas que me dariam emprego imediatamente no tráfico, roubo de casas, coisas do gênero. Ganharia o bastante para me manter", diz Kareem, de 20 anos. Ele quer trabalhar na economia legal. Mas os possíveis empregadores dizem que vão ligar e nunca ligam. "É como se eu estivesse predestinado a ser criminoso."

Kareem personifica os dois pontos de vista opostos mostrados no livro: os jovens adultos pobres de Baltimore não são tão diferentes de seus equivalentes mais ricos quanto às coisas que desejam. Mas têm de se esforçar muito mais para consegui-las, e não dispõem do luxo do tempo. 

Tradução de Roberto Muniz

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