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Por que você se casa com a pessoa errada

A pessoa mais ajustada para nós não é a que compartilha todos os nossos gostos, mas a que negocia as divergências de gosto de maneira inteligente - aquela que é boa em discordar

Por Alain de Botton
Atualização:
 Foto: Pixabay

Um casamento com a pessoa errada é uma das coisas que mais tememos. E nos empenhamos ao máximo para evitar que isto ocorra. Não obstante, acontece.

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Isto em parte porque temos vários problemas que só vêm à tona quando nos relacionamos mais intimamente com alguém. Só parecemos normais para quem não nos conhece muito bem. Mas talvez você tenha propensão a se enfurecer quando alguém discorda das suas ideias, ou só consegue relaxar quando está trabalhando; ou é um tanto complicado no tocante a muita intimidade depois de uma relação sexual ou costuma se calar em resposta a uma humilhação. Ninguém é perfeito. O problema é que antes do casamento raramente refletimos muito sobre nossas complexidades. Quando um relacionamento casual ameaça revelar nossos defeitos, culpamos o parceiro e acabamos com a relação. Quanto aos nossos amigos, eles não se preocupam muito com a situação. Assim, um dos privilégios de viver sozinho é dar a impressão de que somos uma pessoa de fácil convivência.

Não quer dizer que nosso parceiro seja mais consciente de si mesmo. Naturalmente tentamos compreendê-lo. Visitamos sua família. Olhamos fotos, nos encontramos com seus amigos de faculdade. Tudo isto contribui para a sensação de ter cumprido nosso dever. Mas não: o casamento continua a ser uma aposta otimista, generosa, infinitamente amável feita por duas pessoas que ainda não sabem quem são ou quem é o outro, que se unem pensando num futuro do qual não têm ideia e que evitam investigar.

Antigamente, na maior parte das vezes o casamento era comandado pela razão: ou se casava porque o terreno de propriedade da noiva era contíguo ao do noivo, ou a família dele tinha um negócio próspero, o pai dela era juiz na cidade, havia um castelo a manter, ou os pais de ambos acatavam a mesma interpretação dos textos sagrados. E o resultado desse casamento era solidão, infidelidade, abusos, insensibilidade e gritos. O casamento ditado pela razão, não pela emoção, não era nada racional: na maior parte das vezes era uma união oportunista, intolerante, esnobe e exploradora. Por isso o seu substituto - o casamento por amor - tem poupado e muito a necessidade de justificativas.

O importante no casamento por amor é que duas pessoas se sentem atraídas em razão de um sentimento avassalador e sabem que seu coração está certo. E quanto mais imprudente parece um casamento (digamos, seis meses apenas depois de o casal se conhecer; um deles não tem emprego, ou ambos são ainda adolescentes) mais seguro ele parece. A temeridade é um contrapeso a todos os erros da razão. A prevalência do sentimento é uma reação contra muitos séculos de razão irracional.

Mas embora acreditemos estar buscando a felicidade no casamento, não é tão simples assim. O que realmente almejamos é um sentimento familiar - o que pode complicar nossos planos. Nosso desejo é recriar, em uma relação adulta, sentimentos vividos na infância. O amor que muitos experimentaram quando criança com frequência era confundido com uma outra dinâmica, mais destrutiva: o sentimento de querer ajudar um adulto descontrolado, ou de ser privado do afeto de um pai, ou assustado com sua ira, de não se sentir seguro o bastante para exprimir seus desejos. É lógico então que, quando adultos, rejeitamos um determinado candidato a um casamento não porque é o errado, mas porque é certo demais - muito equilibrado, maduro, compreensivo e confiável e porque no fundo essa retidão nos parece estranha. E nos casamos com a pessoa errada porque não associamos o sentimento de ser amado com o de se sentir feliz.

E cometemos erros também quando nos sentimos solitários. Quando a pessoa sente que continuar solteiro está se tornando algo insuportável este não é o melhor momento para procurar um parceiro. Temos de estar totalmente tranquilos com a possibilidade de muitos anos de solidão pela frente para escolher bem o seu companheiro; do contrário, o risco é que a ideia de não viver sozinho se torna mais querida do que o parceiro que nos poupou deste destino.

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Casamentos podem falhar Foto: Pixabay

Finalmente, nos casamos para fazer com que um belo sentimento perdure. Imaginamos que o casamento vai nos ajudar a engarrafar a alegria que sentimos quando a ideia de uma união surgiu pela primeira vez. Talvez vocês estivessem em Veneza, numa lagoa, num barco, com o sol se pondo no horizonte, conversando sobre os seus sentimentos.

Nós nos casamos para tornar essas situações permanentes, mas não vemos que não há nenhuma relação consistente entre esse sentimento e a instituição do casamento.

Mas não importa se descobrimos que nos unimos à pessoa errada.

Não precisamos abandoná-la, mas sim deixar de lado a ideia romântica do casamento que persiste há 250 anos no Ocidente: que o ser perfeito é aquele que consegue atender a todas as nossas necessidades e satisfazer todos os nossos desejos.

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Precisamos abandonar a visão romântica e ter uma compreensão mais trágica (às vezes cômica) de que todo ser humano irá nos frustrar, irritar, incomodar, enlouquecer e decepcionar - e nós (sem má intenção) faremos o mesmo. Mas nada disso é inusitado ou razão para o divórcio. Escolher alguém com quem se unir é apenas uma questão de identificar por qual tipo particular de sofrimento estamos mais dispostos a nos sacrificar.

Esta filosofia pessimista constitui uma solução para muita aflição e nervosismo em torno do casamento. Pode soar estranho, mas o pessimismo alivia a excessiva pressão imaginativa que a cultura romântica exerce sobre o casamento. O fato de um parceiro particular não conseguir nos salvar da nossa dor e melancolia não é argumento contra essa pessoa e nem sinal de que a união deve terminar ou ser melhorada.

A pessoa mais ajustada para nós não é a que compartilha todos os nossos gostos, mas a que negocia as divergências de gosto de maneira inteligente - aquela que é boa em discordar. Em vez da ideia hipotética de complementaridade perfeita, é a capacidade de tolerar as diferenças com generosidade que define a pessoa como "não totalmente errada".

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Compatibilidade é a realização de amor e não uma precondição.

O romantismo tem sido de pouca ajuda para nós; é uma filosofia rígida. Tem feito com que muita coisa do que vivemos num casamento pareça excepcional e horrível. Acabamos sozinhos e convencidos de que nossa união, com suas imperfeições, não é "normal".

Precisamos aprender a nos adaptar aos "erros" e nos esforçar sempre no sentido de uma perspectiva mais generosa, divertida e flexível com relação a nós e nossos parceiros./Tradução de Terezinha Martino

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